Os dois julgamentos realizados recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) envolvendo o BNDES nos fazem voltar no tempo, atestando como foi importante a resistência do corpo funcional benedense em momento tão difícil da nossa história
VÍNCULO 1590 – Em 5 de março deste ano, o TCU afastou a responsabilidade de gestores e técnicos do BNDES por supostos desvios de finalidade em financiamentos de bens e serviços para exportação a outros países. Em sessão extraordinária para julgar processos sobre operações do Banco, a maioria dos ministros da Corte entendeu que não foram comprovadas irregularidades. O processo estava no Tribunal desde 2016.
Na avaliação da diretoria do BNDES, a decisão do TCU, que busca aperfeiçoar a atuação da instituição no financiamento à exportação de bens e serviços de empresas brasileiras, era “mais um passo no processo de reconstrução do Banco”.
“Ao reconhecer a ausência de irregularidade no financiamento do BNDES às exportações de bens e serviços, o TCU reforça a segurança jurídica sobre essas operações e joga luz sobre um tema que é alvo de ampla campanha difamatória. Além disso, propõe medidas que contribuem para a ampliação da transparência e da qualidade desses programas”, escreveu o presidente Aloizio Mercadante em nota à imprensa.
A JBS e a Operação Bullish – Na semana passada, 9 de abril, o Tribunal de Contas da União julgou outros três processos envolvendo o BNDES – relacionados a operações de crédito e de mercado de capitais feitas com a JBS, empresa do Grupo J&F. Por maioria, a Corte entendeu que não houve dano ao erário, dolo ou erro grosseiro nas transações feitas de 2005 a 2014.
O revisor concluiu que “não há, nos autos, elementos que permitam concluir pela ilegalidade ou ilegitimidade da operação. O apoio e incentivo ao processo de internacionalização da JBS S/A estava de acordo com o objeto social da BNDESPar, conforme previsão em seu estatuto”, afirmou o ministro.
O voto também aponta que não há indicativos de que os empregados do BNDES tenham participado de eventuais ilícitos de corrupção ou de influência indevida sobre o Banco, ou, ainda, de favorecimento ao grupo JBS. O TCU analisou a participação das 70 pessoas citadas no processo.
“Recebo com satisfação a decisão do Tribunal de Contas da União, que concluiu pela regularidade do apoio financeiro do BNDES à JBS por meio de operações de renda variável via BNDESPar, e que geraram lucro de R$ 16,5 bilhões em valores nominais ao Banco. A relação republicana, colaborativa e rigorosa com o TCU tem sido fundamental para o aprimoramento dos processos e para a garantia da segurança jurídica na atuação do BNDES em diversas frentes, incluindo no mercado de capitais”, disse o presidente Aloizio Mercadante em nota à imprensa.
História – As fake news relacionadas aos financiamentos de bens e serviços para exportação, entre outros assuntos urgentes, levaram a AFBNDES a lançar, em junho de 2017, a campanha “Precisamos falar sobre o BNDES”, com o objetivo de qualificar o debate sobre o papel do Banco para o desenvolvimento nacional e a retomada do crescimento, além de esclarecer para o público em geral que os funcionários da instituição prestavam serviços de Estado à sociedade brasileira.
“Num momento em que o papel do Banco está sendo tão questionado e incompreendido pela população brasileira em geral, entendemos, como funcionários e funcionárias do BNDES, que podemos contribuir para estimular o debate com a sociedade e trazer informações e conhecimento sobre o Banco e sua importância para o desenvolvimento do país”, afirmava a direção da AFBNDES quando do lançamento da campanha.
O lançamento do hotsite da campanha turbinou a Fanpage da Associação e teve boa repercussão na mídia on-line, com destaque para notas publicadas no Estadão, Isto É Dinheiro, Zero Hora Economia, UOL Economia, Rede Brasil Atual e blogs de Luiz Nassif e Ancelmo Gois (O Globo).
Estruturado com perguntas e respostas, o site incentivava o compartilhamento das posições do corpo funcional benedense nas redes sociais. “O Brasil precisa de um Banco de Desenvolvimento. Então precisamos falar sobre o que está acontecendo com o nosso”, assinalavam as primeiras frases do portal, para depois jogar no ar algumas interrogações: “Por que o BNDES está sendo alvo de tantos questionamentos? Como o BNDES apoiou a JBS? Afinal, quem está por trás do BNDES?”.
A chamada seguinte dava bem o tom e os objetivos da mensagem que a AF pretendia difundir: “Somos funcionários do BNDES e resolvemos nos unir para criar um canal de informações sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Ninguém melhor do que nós, que trabalhamos todos os dias na instituição, para abrir um debate franco com a sociedade em busca de caminhos para superarmos a crise e seguir impulsionando o desenvolvimento do País”.
Havia (e há) uma seção específica no site sobre o apoio do BNDES a obras no exterior, com as seguintes interrogações: Com tanta carência no Brasil, por que o BNDES apoia obras no exterior? O Brasil deu dinheiro a Cuba, Venezuela e Angola? Os questionamentos eram respondidos no próprio site (confira aqui).
E também uma seção fundamental com imagens e depoimentos de quem “constrói o Banco todos os dias”. Dezenas de colegas marcaram presença, entre ativos e aposentados.
Ao longo dos anos, o presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz, escreveu artigos sobre o tema com grande repercussão. Confira dois deles:
– “A atuação do BNDES na exportação de serviços de engenharia e revelações sobre a corrupção no Peru”
Já o julgamento relacionado à Operação Bullish, que apurou supostas fraudes no BNDES para favorecer a JBS, nos transportou para o dia 12 de maio de 2017, quando houve a condução coercitiva de 37 funcionários do Banco para depor na Polícia Federal, incluindo uma colega grávida de 39 semanas. Em vigília no térreo do Edserj, no mesmo dia, sob a liderança da Associação, dezenas de empregados, diante de vários jornalistas, protagonizaram a foto histórica e emblemática em que levantam os crachás demonstrando solidariedade aos colegas atingidos pela medida arbitrária e unidade na luta em defesa do BNDES e do corpo funcional benedense.
Os dirigentes da Associação estavam presentes no ato de solidariedade ocorrido na manhã do dia 12 maio no Teatro Arino Ramos Ferreira, logo após a condução coercitiva, e na reunião noturna com a participação da presidente Maria Silvia, quando a dirigente ouviu críticas à defesa pouco firme que estava sendo feita pela direção do Banco dos empregados que haviam sido levados à PF e da própria instituição.
Atenta e organizada, a AFBNDES se consolidou como porta-voz qualificada do corpo funcional benedense e cumpriu, como nunca, seu papel de representante legítima dos interesses dos funcionários do BNDES. Carta aberta da Diretoria da AF foi enviada, em seguida, à Diretoria do Banco e divulgada à imprensa, assim como nota de repúdio redigida por advogados do BNDES e assinada, inicialmente, pela AFBNDES e OAB/RJ.
Em 22 de maio de 2017, na terceira manifestação no térreo do Edserj relacionada à Operação Bullish (foto), a indignação dos empregados se dirigiu ao presidente Michel Temer e à reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo. No ato, os empregados questionaram pronunciamento do presidente Temer, segundo o qual a presidente Maria Silvia Bastos Marques, por ele indicada, teria moralizado o BNDES e colocado “ordem na casa”. A AFBNDES rebateu Temer em rede social: “Sobre o pronunciamento de hoje (20), a Associação dos Funcionários do BNDES quer destacar que a presidente do Banco, Maria Silvia Bastos Marques, não poderia ter ‘moralizado’ o BNDES porque não se ‘moraliza’ uma instituição que, desde a sua fundação, em 1952, sempre atuou com ética, espírito público, excelência e compromisso com o desenvolvimento”. A manifestação já estava convocada pela AFBNDES quando veio ao ar, no Fantástico, reportagem com o objetivo de atacar a imagem do Banco. De forma leviana, o programa garantiu revelar um novo personagem na “controversa expansão da JBS com incentivos públicos” – em referência a um ex-empregado do Banco, já aposentado, acusando-o, de forma irresponsável, de “agente duplo, suspeito de favorecer o grupo JBS em negócios milionários”.
Durante a manifestação, dirigentes da AFBNDES, do Sindicato dos Bancários do Rio e inúmeros empregados do Banco se revezaram ao microfone cobrando posição firme da administração na defesa da instituição e de seus funcionários: “Onde estão os esclarecimentos sobre a operação JBS? Nós já perguntamos à atual Diretoria do Banco sobre a legalidade da operação. E a resposta foi de que não houve nada ilegal. Então a Diretoria precisa vir a público esclarecer isto. É o nosso nome que está sendo jogado na lama”, destacou Thiago Mitidieri, presidente da Associação à época. “É necessário que haja um esclarecimento sobre a operação da JBS para que a gente possa defender a lisura da nossa instituição com conhecimento de causa. Nós sabemos, mas a população não sabe que nossas decisões são tomadas de forma coletiva, que há um trabalho técnico envolvido, que existem normas para enquadramento, que os relatórios são feitos por equipes de técnicos, que há uma hierarquia de decisões de órgãos colegiados etc.”, ressaltou o então 1º vice-presidente da AF, José Eduardo Pessoa de Andrade. “Desde que assumimos e começaram os ataques de ministros do TCU ao BNDES, procuramos a Diretoria e cobramos: queremos uma reação forte. Foi dito que isto não era possível porque o TCU era um órgão sensível a manifestações muito contundentes. Um ano depois, o que ocorreu? Nossos colegas foram conduzidos coercitivamente. Essa estratégia funcionou? Está funcionando? Fica cada vez mais claro que eles não irão nos defender. Nós estamos revoltados com tudo isto. E queremos uma Diretoria que expresse esta revolta, esta indignação. Só assim poderemos enfrentar uma onda claramente política levantada contra o BNDES”, ressaltou o 2º vice-presidente, Arthur Koblitz.
Vale destacar nesse processo, entre tantos editoriais publicados no VÍNCULO, o texto que foi divulgado em 25 de maio de 2017, intitulado “O que precisa ser dito em relação ao BNDES e à operação da JBS“. Nele a direção da AFBNDES denuncia que as acusações mais graves e mais propaladas pela mídia eram descabidas. A Associação rebatia informações distorcidas sobre prazo de avaliação de operações no BNDES e garantias; criticava o foco da investigação criminal, a atuação enviesada dos órgãos de controle em relação ao Banco e os equívocos no tocante à participação de empregados em conselhos de empresas investidas: “Os empregados do BNDES indicados para conselhos de administração ou fiscal das empresas investidas pelo Banco não recebem renumeração no exercício dessa atividade”.
No dia seguinte à publicação desse editorial, em 26 de maio de 2017, Maria Silvia deixava a presidência do BNDES alegando motivos pessoais. Cinco dias depois, o presidente da AFBNDES foi recebido na sede da Polícia Federal, em Brasília, por delegados responsáveis pela Operação Bullish. No encontro, a Associação se posicionou contra a maneira como se deram as conduções coercitivas, aproveitando a oportunidade para explicar a dinâmica das operações realizadas pelo BNDES.
De meados de 2017 até março de 2019, quando houve denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra cinco funcionários e ex-funcionários do BNDES no âmbito da Operação Bullish, a AFBNDES acompanhou o caso e fez chegar à imprensa diversos posicionamentos em defesa do Banco e do corpo funcional. Em fevereiro de 2019, por exemplo, o jornalista Lauro Jardim, de O Globo, repercutiu posição da AFBNDES sobre o tema: “Os funcionários do BNDES não têm receio de qualquer devassa nas operações do Banco, muito pelo contrário, somos entusiastas de toda a iniciativa que busque a transparência. Contudo, ressaltamos que é preciso cuidado para que não sejam feitas acusações sem provas, que manchem a reputação de técnicos que tiveram seu trabalho investigado em diversas oportunidades, sem nunca ter sido encontrada nenhuma irregularidade. Para a Associação, a operação envolvendo aportes à empresa JBS não foi sequer nociva ao BNDES, pois, até dezembro de 2016, tinha um saldo positivo de R$ 3 bilhões. É importante ressaltar que os recursos da leniência indenizam o Banco e seus funcionários quanto a danos civis, ou seja, relacionados à imagem e não a perdas financeiras. Pode-se discutir se a questão da política pública utilizada na ocasião foi adequada, mas a ideia de que a operação foi lesiva ao Banco não está correta”.
Quando veio a denúncia do MPF, novo grande ato em solidariedade aos colegas benedenses foi realizado no térreo do Edserj. Durante a manifestação, foi aprovada a elaboração de uma carta aberta à sociedade com o posicionamento do corpo funcional a respeito da denúncia. O documento circulou pelo Banco para o recolhimento de assinaturas. A AF também organizou um encontro, no Teatro do BNDES, com os advogados que defendiam os empregados e os ex-empregados do Banco no processo judicial resultante da Operação Bullish.
Em maio de 2019 foi rejeitada a denúncia apresentada pelo MPF. Na decisão, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos escrevia: “Os depoimentos colhidos na fase investigativa, repito, negam peremptoriamente qualquer interferência, influência, orientação, pressão, constrangimento ou direcionamento na tramitação dos processos de aporte financeiro do BNDES. Diga-se, por oportuno, que a participação de agentes do BNDES em conselhos de administração de empresas privadas e o relacionamento institucional entre o Banco e essas empresas clientes estavam previstos nos seus regulamentos e eram necessários para a defesa dos interesses e do dinheiro público envolvidos nos aportes financeiros, não sendo por si só atos ilícitos, ao contrário do que parece crer a Acusação”.
Luciano Coutinho – No ano passado, a Operação Bullish voltou à mídia. Em 16 de março de 2023, a Justiça Federal em Brasília absolveu o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho na ação penal relacionada à Operação Bullish. O processo foi encerrado em primeira instância por falta de provas. “Não se encontra nos autos prova alguma que ampare a narrativa ministerial”, escreveu o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal
Luciano Coutinho, Guido Mantega e seu filho Leonardo foram denunciados por formação de quadrilha, corrupção, gestão fraudulenta, prevaricação financeira e lavagem de dinheiro.
A sentença afirmou que o Ministério Público Federal sustentava “a acusação unicamente nas declarações – genéricas e vazias – do colaborador Joesley Batista. O relato fornecido pelo delator, como se teve ocasião de afirmar, não se presta a fundamentar condenação penal”, escreveu o juiz.
Sobre as acusações contra Luciano Coutinho, o juiz discordou da alegação do Ministério Público Federal (MPF) de que o ex-presidente do Banco deveria evitar eventuais irregularidades: “Agiu com deferência às manifestações das áreas técnicas do BNDES, que intervieram em cada uma das operações e em conjunto com os demais diretores do banco. Não é crível supor que todos (responsáveis pelas áreas técnicas e diretoria do BNDES) tenham adotado comportamento dirigido à prática de fraudes, com vistas a beneficiar determinada empresa. Os autos não contêm prova alguma nesse sentido”, disse o juiz.
O advogado Aloísio Lacerda Medeiros, que representou Coutinho, disse que a decisão colocava “fim à injusta acusação de que na gestão de Luciano Coutinho na presidência do BNDES existiria uma ‘caixa preta’ voltada, inclusive, para beneficiar o Grupo JBS de Joesley Batista”. Medeiros ressaltou que “isso foi fortemente sustentado pelo ex-presidente Bolsonaro, que durante seu governo sempre sustentou essa leviandade que hoje foi amplamente desmascarada pela irrepreensível sentença da Justiça Federal do Distrito Federal, que afastou todas as absurdas imputações do Ministério Público Federal”.
O MPF acusou Guido Mantega de supostamente influenciar o então presidente do BNDES a fazer operações financeiras para favorecer a JBS em troca de propinas. Ao longo dos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Mantega foi ministro do Planejamento, da Fazenda e também comandou o BNDES.
“Os atos que beneficiaram as empresas do grupo JBS, supostamente praticados mediante o pagamento de propina – fato, repita-se, em momento algum provado nos autos – não tinham relação com a função pública então exercida por Guido Mantega. Trataram-se de decisões tomadas no âmbito do BNDES, ausente qualquer participação deste último acusado”, argumentou o magistrado.
Em nota, a defesa de Mantega declarou que a decisão atestou a regularidade da conduta do ex-ministro e tornou descabidas as acusações.
Último ato – Agora, o Tribunal de Contas da União entendeu que não houve dano ao erário, dolo ou erro grosseiro nas transações feitas com a JBS de 2005 a 2014.
“A sensação de perceber que o TCU compreendeu a atividade do BNDES e que o relacionamento vem evoluindo e se desenvolvendo é muito boa. Hoje demos mais um passo no caminho de encerrar um dos capítulos mais tristes da história do Banco, mas ainda há muito trabalho pela frente. Gratidão e alívio, pelas mais de 70 pessoas, funcionários e ex-colaboradores que suportaram esses processos ao longo de muitos anos”, disse o benedense Pedro José de Almeida Ribeiro, chefe de departamento (AJI/JUCAD), que fez a sustentação oral em defesa do BNDES e de seus empregados durante o julgamento relacionado a JBS. (confira vídeo aqui).