VÍNCULO 1582 – O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria dos votos, no dia 8 de fevereiro, que a demissão sem justa causa de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público, deve ser devidamente motivada. A decisão, da forma como foi tomada, deverá surtir efeito somente para os casos futuros e a partir da publicação da ata de julgamento.
Votaram pela inconstitucionalidade da demissão imotivada os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Edson Fachin e Dias Toffoli. O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou pela legalidade da demissão sem motivo, sendo acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques. O julgamento foi suspenso e será concluído em outro momento, para definir detalhes da tese vitoriosa.
Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, no sentido de que é preciso uma justificativa para a demissão “em nome da impessoalidade”.
“Prevalece, majoritariamente, a ideia de que a demissão deve ser motivada, ainda que com simplicidade, sem as exigências da demissão por justa causa”, afirmou.
Em seu voto, Dias Toffoli lembrou que a decisão abrange empresas federais, estaduais e municipais e que a não motivação da demissão poderia gerar favorecimentos. O ministro Edson Fachin votou para que a motivação fosse mais rígida, com a exigência de trâmites burocráticos, como processos administrativos.
A posição do ministro Alexandre de Moraes (derrotada por seis votos a três) teve como ponto central a ausência de necessidade de motivação. Moraes argumentou que a Constituição Federal, ao escolher o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para os funcionários das empresas públicas e de sociedade de economia mista, deixou claro que o concurso público não traria a estabilidade, pois escolheu o regime igual àqueles que trabalham para a iniciativa privada.
O processo – A ação originária, que culminou com a definição de inconstitucionalidade da demissão imotivada de trabalhadores públicos (concursados contratados pela CLT), foi movida por trabalhadores do Banco do Brasil no Ceará, em 2012. Aprovados em concurso, em 1997, eles foram demitidos de forma sumária pela direção do banco.
A decisão do STF foi pronunciada como resposta ao Recurso Extraordinário 6878267 (Tema de Repercussão Geral 1022), interposto pelos funcionários do BB, e invalida acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que definia que a “despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade”.
A posição do ministro Luís Roberto Barroso tem, contudo, um elemento de contradição, uma vez que, mesmo tendo votado pela exigência de apresentação de motivo para a dispensa, considerou que esta tese não valeria para as ações em curso, justamente as movidas por aqueles que fizeram o caso chegar ao STF e, após muitos anos, ser julgado.
Os advogados da LBS assessoria jurídica, que representam os empregados que pleiteiam na Justiça o direito de voltar ao trabalho pois prestaram concurso e foram dispensados sem apresentação de motivo, vão esperar a publicação do julgamento no Diário Oficial para, então, recorrer da modulação de forma a garantir que os que já têm ação em curso possam ser beneficiados pela sentença.
Conforme fala do advogado Eduardo Henrique ao site da Fenae (Federação Nacional das Associações do Pessoal da CEF), a fixação da tese prevê a aplicabilidade da decisão apenas para as demissões ocorridas depois de publicação, de modo que os empregados que sofreram demissões imotivadas anteriormente não poderão se beneficiar da decisão. Para o ministro Barroso, a modulação seria necessária para evitar judicialização excessiva e grande prejuízo pecuniário para as estatais e a Administração Pública.
O advogado defende, no entanto, que a modulação não deve ocorrer, “pois o artigo 37 da Constituição não traz nenhuma restrição e seus princípios devem alcançar todas as demissões realizadas, especialmente para os trabalhadores e as trabalhadoras que já ajuizaram reclamações trabalhistas, que estão há muitos anos sobrestadas justamente para aguardar o posicionamento final do Supremo”.
Para ele, não se trata de excesso de judicialização, mas de garantia de que todos os empregados que foram admitidos via concurso público tenham as regras previstas na Constituição Federal corretamente adotadas. “São inúmeros os casos que estão parados aguardando a decisão e, agora, apesar da tese favorável, não serão abarcados por ela”, destaca. Ele informa que aguardará a decisão para analisar recursos para tentar afastar ou restringir a modulação.
Repercussão – Para Juvandia Moreira, presidente da Contraf-CUT e vice-presidente da CUT, “a decisão do STF é uma conquista histórica do movimento dos trabalhadores bancários. Pela relevância do assunto, a Confederação participou de todo o processo na Justiça, com a assessoria sindical e jurídica possível”.
A CUT também faz parte da ação, como amicus curiae, ou seja, parceira na ação – mesmo status da Contraf-CUT e da Fenae. Juvandia explica que “o interesse nesse tema por parte do movimento sindical como um todo é grande, porque se trata de uma questão trabalhista estrutural para o setor público, que alcança os funcionários de todas as estatais”.
A inconstitucionalidade da demissão sem motivação, conforme avaliação de Juvandia, é decisiva para o bom funcionamento do setor público. “O Estado precisa de instituições fortes para cumprir suas funções, e a garantia de que o trabalhador público não vai ser vítima de abusos ou perseguição política é uma das condições para a estabilidade das estatais, que são decisivas para a execução de políticas públicas”.
A dirigente ressalta que, “no caso dos bancos públicos, a boa atuação, com bases republicanas, é fundamental para o crescimento econômico, em especial pelo financiamento a programas sociais, como a agricultura familiar e investimentos habitacionais, que estimulam a cadeia produtiva, gerando emprego e renda. Nesse contexto, o corpo profissional dessas entidades tem que ter condições de atuar com toda a concentração, sem preocupação com o risco de perder seu emprego sem um motivo”.
O secretário de Assuntos Jurídicos da Contraf-CUT, Lourival Rodrigues, afirma que “essa vitória ultrapassa as fronteiras autos judiciais, nas quais os advogados, tanto da CUT como da Contraf, tiveram atuação exemplar”. Lourival ressalta, ainda, que “essa conquista também é fruto de uma organização muito grande do movimento dos trabalhadores, que teve persistência e consistência ao tratar um tema importantíssimo para todo o país”.
“É com grande satisfação que recebemos a informação dessa decisão. O movimento dos trabalhadores e das trabalhadoras das estatais, mais uma vez, se orgulha de atuar em defesa da luta pela manutenção de direitos adquiridos. Seguiremos atentos para que não haja mais nenhum retrocesso nesse sentido”, comemorou o presidente da Fenae, Sergio Takemoto.
Já o presidente do Sindicato do Rio, José Ferreira, frisa que os trabalhadores viveram anos de apreensão, aguardando o julgamento da ação pelo Supremo. “A decisão traz um relativo alívio, porém, permanece a preocupação, na medida em que permite a manutenção das dispensas que já aconteceram”, disse.
“Temos que acompanhar os desdobramentos, na medida em que os ministros concordaram com a tese, mas precisam se acertar em relação ao conjunto da decisão. Além de entender que tem que ter a motivação, defendemos que deve se aplicar, sim, às demissões anteriores à sentença de hoje”, complementou.
BNDES – No BNDES, a manutenção de cláusula garantindo a “Proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa”, em vigor na instituição desde 1992, exigiu muita luta e resistência dos empregados por ocasião das negociações dos Acordos Coletivos de Trabalho de 2018 e 2020. Em 2021, na negociação do Acordo da Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), houve a introdução, no ACT de 2020, de mais uma proteção contra a demissão sem justa causa devido ao nocivo mecanismo da “curva forçada”.
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Luta e resistência no BNDES contra a demissão arbitrária ou sem justa causa