Atendendo requerimento do MP-TCU (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União), o TCU abriu investigação contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para apurar declarações recentes sobre terceirizar a gestão de ativos do Banco Central.
A investigação foi solicitada pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, que destacou que essa pretensão de Campos Neto é um risco à capacidade do país em honrar compromissos financeiros.
Para Furtado, é necessário “apurar os indícios de irregularidades noticiados a despeito do interesse do atual presidente do Banco Central em terceirizar a gestão de ativos do BC, especialmente com relação à administração das reservas internacionais do Brasil”.
“A polêmica em torno da possível terceirização da gestão de parte dos ativos da reserva financeira internacional do Brasil gira em torno da responsabilidade sobre um recurso público estratégico haja vista que as reservas internacionais representam o saldo acumulado, em moeda estrangeira, das transações do Brasil com o exterior”, destacou Furtado.
O presidente do BC disse na quinta-feira (20) que está aberto à possibilidade de terceirizar a gestão de ativos do Banco Central. As declarações foram feitas em entrevista ao canal no YouTube da consultoria de investimentos BlackRock Brasil.
Furtado ressaltou que a gestão de reservas internacionais representa uma “atividade tipicamente estatal”, o que impossibilita a interferência do setor privado nessa área, com riscos, inclusive, à “soberania” brasileira.
“Diante de todos os riscos, no meu entender, é inadmissível terceirizar a gestão de ativos do BC, especialmente com relação à administração das reservas internacionais do Brasil. A referida possibilidade reclama, pois, a obrigatória e pronta atuação do TCU, de forma a se determinar a detida e minuciosa apuração dos fatos”, completou.
As reservas financeiras internacionais funcionam como uma poupança para o país, usada em tempos de crise. Conforme o BC, essas reservas do Brasil hoje somam US$ 345,8 bilhões.
O ministro Benjamin Zymler será o responsável por relatar o caso no TCU. Em comunicado, o Banco Central disse que não vai se manifestar.
Crítica de economistas – Economistas endossaram o coro de críticas à fala de Campos Neto, como Marcio Pochmann, da Unicamp, e Leda Paulani, professora titular da Faculdade de Economia e Administração da USP.
Para a economista, em entrevista ao portal de notícias da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a proposta de Campos Neto de induzir um intermediário, que não tem o mínimo comprometimento em defender os interesses nacionais – as reservas cambias são propriedade do Brasil e não de um agente privado – é absolutamente desnecessária.
“Introduzir um terceiro que nada tem a ver com o país no gerenciamento dessas reservas, é ter como consequência menos autonomia e soberania. As reservas cambias são o grande trunfo que o país tem para que sofra menos nas crises financeiras internacionais”, diz Paulani.
A economista cita como exemplos de crises a pandemia de Covid 19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia, que não trouxeram nenhum problema macroeconômico no fechamento das contas externas do Brasil.
“As reservas são uma espécie de lastro do país, não são propriedade de ninguém e estão sob a guarda do BC. Terceirizar é desnecessário e só traz mais problemas ao país”, ressalta.
Para Paulani, a ideia de Campos Neto vai ao encontro do pensamento liberal econômico de que empresas privadas têm maior capacidade e competência, o que não é verdade.
Repensar o uso das reservas cambiais – Economista da Unicamp, Marcio Pochmann também critica a ideia que considera um “descalabro”.
“É óbvio que essa ideia de terceirizar a aplicação das reservas foge da lógica que um BC deveria ter”, afirma.
Pochmann também questiona a forma atual de gerenciamento de nossas reservas por parte do BC, com a compra de títulos do governo norte-americano, “que atualmente rendem pouco e só favorecem aos EUA”. Para ele, nossas reservas cambiais poderiam também ser utilizadas em produtividade.
Para o economista, o deslocamento de aplicação de reservas em dólar por produtividade e não financeira trariam maior rentabilidade aos recursos do país. Segundo ele, o Brasil tem recursos mais do que suficientes pra conter balanços de pagamentos, que até os anos 1980/1990 eram comprometidos.
“Um fundo tem maior rentabilidade quando aplicado em produtividade e não comprando títulos norte-americanos. Os fundos soberanos de países como os Emirados Árabes, China e Canadá são utilizados para a compra de ativos. Os árabes compraram a refinaria da Petrobras na Bahia. É uma forma de investir visando um maior rendimento, o que o Brasil não faz”, defende.
Posicionamento político – A economista Leda Paulani considera que a ideia do presidente do BC em privatizar os fundos soberanos do país é um posicionamento político, a exemplo do que vem fazendo ao manter a taxa de juros, a Selic, em 13,75%.
“A posição dele é completamente política. Desde janeiro a taxa de juros está num patamar absurdo e a inflação dos últimos 12 meses está baixa”, critica.
Paulani ressalta que o Brasil tem atualmente uma das inflações mais baixas do planeta e que a justificativa de Campos Neto de que as taxas de juros dos bancos centrais de países europeus e dos EUA estão subindo nada tem a ver com a situação do nosso país.
“Esses países subiram suas taxas de juros porque estão sofrendo com um processo inflacionário, o que não ocorre aqui. Nossa inflação está em torno de 3% e com a Selic a mais de 13% significa um juro real de 10%. É uma das taxas mais absurdas do mundo. Não tem justificativa”, analisa a economista.
O BC é um banco público – A menção à possibilidade de terceirizar a gestão de ativos do Banco Central gerou repercussão na base do governo. Ouvida por CartaCapital na sexta-feira (21), a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, avaliou como “extremamente grave” a declaração de Campos Neto.
Questionada sobre quais poderes um gestor privado obteria ao administrar recursos do Banco Central, Gleisi disse que a empresa poderia decidir “onde aplicar esses recursos” e “como especular com esses recursos”
“O Banco Central é o banco do Tesouro. É um banco público, um banco que cuida das contas públicas do país”, argumentou Gleisi. “Isso não pode ficar na mão do privado, isso é um patrimônio do país.”