Por Silvio Melatti
VÍNCULO 1587 – É tradição no mês de março fazermos um balanço sobre a disparidade de gênero em nossa sociedade. A seguir destacamos três principais pesquisas/levantamentos a respeito para concluir que a disparidade continua enorme e a lição de casa ainda está longe de estar completa. É fundamental e urgente a necessidade de aumentar a participação econômica das mulheres, seja em quantidade para amplificar suas vozes e moldar decisões que as afetem diretamente, seja em qualidade, em postos mais altos para podermos equilibrar o mercado de trabalho.
O primeiro levantamento a ser destacado aqui é o relatório “Mulheres, empresas e direito”, do Grupo Banco Mundial, que retrata a disparidade como elemento presente e maior do que imaginamos em todo globo terrestre. As mulheres gozam de menos de 2/3 dos direitos dos homens. Nenhum país oferece oportunidades iguais às mulheres – nem mesmo as economias mais ricas. Comparados 190 países, todos deixam a desejar: 98 promulgaram leis que determinam a igualdade de remuneração, no entanto apenas 35 adotam medidas concretas para equiparar salários. Embora 151 economias tenham leis que proíbem assédio sexual no trabalho, apenas 39 têm leis que o proíbem em espaços públicos. Apenas 78 economias (menos de metade) fornecem apoio financeiro ou tributária a pais e mães com filhos pequenos. Apenas 62 economias (menos de 1/3) adotam padrões de qualidade para serviços de cuidados infantis. Estas lacunas realçam a magnitude dos esforços que ainda temos pela frente.
O segundo levantamento surgiu no início de março, quando a Confederação Nacional da Indústria apresentou um estudo inédito feito a partir dos microdados da PNAD Contínua do IBGE, bastante divulgado na mídia. O estudo da CNI aponta que, nos últimos dez anos, as mulheres “progressivamente alcançaram salários mais próximos aos dos homens”. Mensurando a paridade de gênero em uma escala padronizada de 0 a 100, de modo que quanto mais próximo de 100, maior a equidade entre mulheres e homens, o documento diz que houve um aumento da paridade salarial em 6,7 pontos no período. Mais precisamente, o índice brasileiro passou de 72 em 2013 para 78,7, em 2023. O tom otimista do relatório não se desfaz nem mesmo quando analisa um dos pontos críticos da desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro, que é a ocupação de postos de liderança. No indicador liderança, a CNI afirma: “é possível notar que as mulheres ganharam espaço em funções de tomada de decisão”. A ocupação de tais postos avançou de 35,7% em 2013 para 39,1% em 2023 – ou seja, um aumento mínimo em 10 anos.
O esforço do órgão máximo do setor industrial brasileiro em enfatizar o avanço do país no rumo da paridade de gêneros no mercado de trabalho — apesar de os números serem pífios para o período de uma década — deve ser compreendido no âmbito de uma campanha das federações empresariais contra a Lei da Igualdade Salarial, aprovada no ano passado.
E foi por causa dessa lei que o governo federal foi obrigado a coletar e divulgar os dados do 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, na última semana de março. O relatório, nosso terceiro destaque, foi consolidado a partir das informações preenchidas no eSocial, o sistema federal de coleta de informações trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Ao todo, 49.587 empresas com 100 ou mais funcionários preencheram as informações relativas a 2022, o que corresponde a 17,7 milhões de empregados com vínculos formais de trabalho.
Dada a abrangência do universo de pesquisa, pode-se dizer que os dados fotografam a realidade com mais nitidez. Eles mostram que mulheres trabalhadoras ganham em média 19,4% a menos que homens; que nos postos de liderança, a remuneração delas é 25,2% menor do que a deles; e que no recorte de raça a desvantagem das mulheres é ainda maior: a remuneração média das trabalhadoras negras chega a 68% da média dos homens não negros e 66,7% das mulheres não negras.
Mas o relatório é mais amplo, e merece ser lido na íntegra. A apresentação feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego pode ser acessada aqui. O levantamento abrange critérios remuneratórios, planos de carreira, políticas de contratação, situação por estado e até mesmo por empresa.
É urgente acelerarmos esforços para reformar as leis, fomentar políticas públicas, estabelecer indicadores capazes de empoderar as mulheres e permitir que trabalhem em condições de igualdade. A cada quatro mulheres, apenas duas trabalham, enquanto a cada quatro homens, três trabalham. Isto é injusto, o que por si só justificaria fazermos mais. Mas o principal é entendermos ser um desperdício. Não podemos desperdiçar tamanho talento. Afinal de contas, a continuar nesse ritmo, levaremos 131 anos para atingir a plena igualdade entre homens e mulheres, segundo o Fórum Econômico Mundial.
(*) Da equipe da assessoria parlamentar da AFBNDES.
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