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AFBNDES vai ao TST para discutir aplicação da lei trabalhista, por Breno Cavalcante e Isabela Blanco

VÍNCULO 1583 – A AFBNDES requereu, no último dia 23, o ingresso como Amicus Curiae (“amigo da corte”) para contribuir no debate travado nos autos do Incidente de Recursos Repetitivos (IRR) nº 528-80.2018.5.14.0004, que será julgado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), instância máxima da Justiça do Trabalho.

Entenda o caso

O Incidente foi instaurado, de ofício, pelos Ministros do TST, diante da grande quantidade de recursos sobre o tema, os quais discutem, em síntese, se as regras de direito material introduzidas por Lei nova. Por exemplo, a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (Reforma Trabalhista), vale para os contratos de trabalho assinados antes da sua entrada em vigor, no caso da Reforma Trabalhista, o dia 11 de novembro de 2017.

O Amicus Curiae é um terceiro interessado no processo, que aporta contribuições técnicas sobre determinado tema com o intuito de pluralizar e democratizar o debate no âmbito do Poder Judiciário. Caso deferido o pedido da AFBNDES, a Associação poderá realizar sustentação oral para expor suas razões na sessão de julgamento.

No caso concreto levado ao Pleno do Tribunal discute-se o tema das horas in itinere, que se refere ao período de deslocamento do trabalhador até a empresa e o seu retorno. O tema do caso paradigma, a princípio, não se relaciona com o cotidiano dos empregados da AFBNDES, mas a sua premissa e os fundamentos ali discutidos são absolutamente relevantes para todos os trabalhadores celetistas do país.

Em decisão constante nos autos, o ministro relator do Incidente formulou a seguinte pergunta, que terá de ser respondida pelo Pleno do TST:

“Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?”

Entendemos que a abrangência da pergunta acima é ampla e alcança todas as regras de direito material modificadas, por exemplo, pela Reforma Trabalhista, como o art. 468, da CLT, que trata da incorporação da gratificação de função.

Incorporação da gratificação de função

Até a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, o TST entendia que o §1º do art. 468, da CLT autorizava a incorporação da gratificação de função após dez anos ou mais no exercício do cargo, interpretação que ficou consagrada em sua Súmula nº 372.

Ocorre que, com o advento da Reforma Trabalhista, o artigo acima ganhou um segundo parágrafo, que prevê que “a alteração de que trata o § 1o deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.”        

Assim, o Incidente a ser resolvido pelo TST pode ter impacto nos casos de empregados admitidos antes da Reforma Trabalhista e que não completaram dez anos no exercício de cargo antes de 11 de novembro de 2017, quando entrou em vigor a Reforma.

Sabemos que há, pelo menos, quatro ações judiciais em curso, de autoria da AFBNDES, que se relacionam ao tema da incorporação de função, por isso a questão ganha relevância ainda maior. Não obstante, no nosso entendimento, é cedo para afirmar, peremptoriamente, que os casos em curso não serão afetados pelo julgamento do Incidente, eis que não se sabe, ainda, qual será o alcance da decisão do TST.

Outros temas relevantes podem ser impactados pela decisão do TST, como ultratividade das normas coletivas[1] (§3º do art. 614, da CLT); a justiça gratuita[2] (art. 790, §3º, da CLT); e o direito de ação[3] (art. 840, §1º, da CLT, que o pedido, nas ações individuais, deverá ser certo, determinado e com indicação do seu valor.

A posição defendida pela AFBNDES

A AFBNDES, patrocinada pelo escritório Cezar Britto & Advogados Associados, entende que lei nova não pode alterar condições de contrato de trabalho firmado antes da sua entrada em vigor, sob pena de violação aos princípios constitucionais da irretroatividade da Lei (art. 5º, II, da CF/88 e art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro); e do ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF/88).

Entendemos que os direitos conquistados e inscritos na CLT se incorporam ao contrato de trabalho dos empregados, razão pela qual não podem ser revogados ou relativizados por Lei superveniente, a exemplo da Reforma Trabalhista.

Em sua argumentação, a AFBNDES também destaca que o ordenamento jurídico protege o equilíbrio contratual e a confiança. Assim, quando ocorre o ajuste das cláusulas contratuais é evidente que os pactuantes levam em consideração, especialmente, a legislação trabalhista vigente no momento, acreditando que não serão surpreendidos futuramente com mudanças lesivas, em plena execução contratual.

De acordo com os civilistas Pablo Stolze Gagliano e Ro­dolfo Pamplona Filho[4], “os vínculos negociais e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram, regra esta que não deve ser interpretada somente para a aplicação das regras codificadas civis, mas também para todas as demais relações jurídicas não penais”.

Em igual sentido, o constitucionalista José Afonso da Silva[5], defende que “Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza de que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”

Os argumentos acima têm tido eco no TST, como se observa da redação das Súmulas 51, 191 e 288 do Tribunal, bem como de precedente da sua 6ª Turma, cuja ementa se reproduz abaixo:

“(…) IV – RECURSO DE REVISTA DO SINDICATO. LEI Nº 13.467/2017 LIMITAÇÃO DO DIREITO À INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO AOS SUBSTITUÍDOS QUE COMPLETARAM DEZ ANOS NA FUNÇÃO NO PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 1 – O TRT LIMITOU o direito à incorporação de função aos substituídos que já contavam com dez anos completos de percepção da gratificação de função até 10/11/2017. 2 – Sob a ótica do direito intertemporal, aplicam-se as normas de Direito Material do Trabalho do tempo dos fatos, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei “tempus regit actum” (art. 5º, XXXVI, da CF/88). Julgados. 3 – Acerca da aplicação da Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, tratando-se de direito material, notadamente parcela salarial (devida se configuradas determinadas circunstâncias), a alteração legislativa que suprimiu ou alterou direito à parcela não alcança os contratos daqueles trabalhadores que já possuíam o direito a seu pagamento, tampouco atinge efeitos futuros de contrato iniciado antes da sua vigência. Do contrário, estaríamos albergando a redução da remuneração do trabalhador, embora não alterada a situação de fato que a amparava, e admitindo violação de direito adquirido. Julgados. 4 – Nesse contexto, o direito à incorporação da gratificação de função inclui as situações em que o contrato laboral se iniciou antes e CONTINUOU A EXISTIR após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, como no caso concreto. 5 – Recurso de revista a que se dá provimento.

(destacou-se)

(RRAg-12036-58.2017.5.03.0038, 6ª Turma, TST, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, Publicado no DEJT 03/03/2023)

Por fim, a AFBNDES pontua que o caso em tela deve ser apreciado à luz das normas de direito internacional dos direitos humanos, da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Constituição Federal, as quais preveem os princípios da vedação do retrocesso social, do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, cuja realização também se dá a partir da efetividade do direito ao trabalho.

O TST deve divulgar, em breve, a lista de entidades admitidas na condição de Amicus Curiae e a data do julgamento. Seguiremos monitorando o caso e contribuindo para que prevaleça o entendimento mais benéfico aos trabalhadores e trabalhadoras do BNDES e do Brasil.

A íntegra da petição de ingresso da AFBNDES pode ser acessada aqui.


[1] Anteriormente, as regras constantes em acordo coletivo de trabalho, por exemplo, seguiam válidas até que outro acordo fosse firmado, mesmo que esgotado o seu prazo de vigência. Com a Reforma Trabalhista, os ACTs passaram a ter, no máximo, dois anos, e as suas regras deixam de ser válidas após o seu termo final, o que enfraquece sobremaneira os sindicatos na hora de negociar o acordo seguinte.

[2] Com a alteração da redação do art. 790, §3º, da CLT, juízes e tribunais têm entendido que não basta a declaração de hipossuficiência, ou seja, que o empregado só faz jus à justiça gratuita se receber abaixo de 40% do limite máximo dos benefícios do regime geral de previdência social (hoje, um pouco mais de R$ 3.000,00) ou comprovar insuficiência de recursos para pagamentos das custas do processo, o que pode ser difícil de demonstrar ao longo do processo.

[3] A Reforma tornou mais complexa a elaboração da petição inicial trabalhista, pois exigiu que o pedido fosse “certo, determinado e com indicação do seu valor”, o que tem levado magistrados a interpretarem, equivocadamente, que o valor declarado na inicial, ainda que estimado, limita o valor da condenação.

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. v.IV. Contratos. t.1. São Paulo: Saraiva, 2005, p.331

[5] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. P. 433.


Breno Cavalcante é advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará, especialista em prática trabalhista contemporânea pela Universidade de Santa Cruz do Sul e sócio do Escritório Cezar Britto & Advogados Associados, em Brasília.

Isabela Blanco é advogada, Mestre em Direitos Humanos e Teoria do Direito pela Faculdade de Direito da UFRJ, com enfoque em Direito Sindical e Memória, e pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Atualmente integra o Coletivo de Sociedades em Advocacia de Inclusão no Rio de Janeiro, atuando na advocacia trabalhista, sindical e de servidores públicos.

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