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Biofobia – Que cidade queremos?, por João Picanço

João Picanço | Engenheiro do BNDES

VÍNCULO 1592 – As cidades são ótimos lugares para se viver. Seus benefícios encantam e atraem milhões de pessoas pelas suas facilidades. Empregos, renda, lazer, cultura e serviços de saúde. Entretanto, as construções das urbes em muitos casos vieram acompanhadas de florestas de prédios áridas, cinzas e poluídas. A dinâmica de crescimento das cidades parece ter chegado de mãos dadas com um movimento de biofobia, em que a natureza é algo a ser superado e suprimido. O resultado desse movimento nos leva a questionar em que tipo de ambiente queremos erguer nossas casas. Qual é o lugar adequado para o bem-estar dos nossos filhos? Que território estamos deixando de legado para as próximas gerações?

A crescente urbanização e as más decisões tomadas para o “desenvolvimento” das cidades fizeram com que as metrópoles ficassem expostas a um efeito conhecido como “ilhas de calor”, em que edifícios e ruas absorvem as altas temperaturas. Além de feias, muitas cidades ficaram mais quentes e desconfortáveis para se viver. Nesse contexto também devemos arguir como se dá a produção das cidades. Ela é baseada em que lógica? O direito a uma cidade com áreas verdes é possível? Qual cidade queremos? A arquitetura e o urbanismo podem manifestar nossos sonhos no mundo real? Ou seguiremos criando cidades túneis num pesadelo diário de trânsito de três horas seguido de ameaças de enchentes letais? Todos enlatados num desolador cenário urbano?

Felizmente, na antítese da biofobia, cresce a tendência da biofilia, em que o amor a vida e aos sistemas vivos é incorporado no planejamento e na construção das nossas cidades e casas. A partir de 2016, Medellín – a segunda maior cidade da Colômbia – chamou a atenção do mundo com a implementação de “corredores verdes”, conectando estradas verdes, jardins verticais, parques e montanhas, melhorando substancialmente a qualidade do ar e alcançando a redução das temperaturas locais em 2°C, segundo um artigo da BBC Future. Conforme ressaltado pela Prefeitura de Medellín, as intervenções permitiram “a regulação da temperatura, a absorção de poeiras e poluentes, o isolamento do ruído, bem como a captura de dióxido de carbono. Com tudo isso, gera-se oxigênio limpo e aumenta a biodiversidade”.

Nessa mesma direção, um projeto liderado pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, pretende fazer da capital francesa a cidade mais verde da Europa até 2030. Até 2026, serão plantadas mais de 170 mil árvores, com 50% da cidade coberta por áreas verdes até 2030. O plantio de “túneis de árvores” promete melhorar a qualidade do ar ao longo das avenidas. Dessa forma, é preciso redefinir a visão atrasada de que viver nas cidades implica em estar apartado de áreas verdes. Reconciliar o planejamento urbano com cidades biofílicas é tarefa urgente. Novas combinações de técnicas e visões de mundo devem fazer parte do repertório de ferramentas em prol de soluções baseadas na natureza para projetarmos cidades boas de se viver.

Nessa jornada de transformação das cidades, cada árvore plantada é uma semente portadora de um futuro melhor para se viver e sonhar. Estudos científicos sobre a inteligência verde e best sellers como “A vida secreta das árvores” buscam revelar para um público cada vez maior a importância de reconhecer o valor, a inteligência e o bem-estar proporcionado pela natureza. Propagar tais conhecimentos são fundamentais para que a sociedade possa superar um antropocentrismo ensimesmado que insiste em se relacionar com a natureza como um obstáculo.

O professor honorário da University of British Columbia Cecil Konijnendijk propõe a regra de 3 – 30 – 300. A ideia é que você, ao olhar de casa, veja 3 árvores, que os bairros tenham 30% de área verde e exista uma área verde a 300 m de sua casa. As árvores sequestram CO2 do ar por meio da fotossíntese. Parte é usada para crescimento de galhos e folhas, e outra parte, cerca de 40% do CO2 sequestrado, é transportado pelas raízes até o solo. Esse CO2 ajuda as plantas a obter nutrientes. O carbono é o motor que faz o sistema funcionar. Esse é o poder regenerativo da terra que deve ser catalisado pela ação humana para mitigar os efeitos das mudanças do clima.  

Muito além de árvores, o universo botânico tem um potencial enorme para enriquecer as cidades e as vidas de seus habitantes com um vasto leque de espécies. Largando o cinza monótono para produção de espaços biofílicos num verdadeiro movimento de verdejamento das cidades. É possível construir uma nova aldeia urbana, utilizando telhados verdes, jardins filtrantes, praças, parques, corredores verdes e renaturalização dos rios. Flora e fauna em harmonia sem renunciar às facilidades das centralidades territoriais. Além de toda beleza cênica e bem-estar proporcionado pela aplicação dessas técnicas construtivas, esse é também um caminho capaz de aumentar permeabilidade do solo e a resiliência da cidade contra as enchentes e tragédias cada vez mais frequentes.

A produção de cidades reconciliadas com a natureza cria lugares bons de se viver, que atraem as pessoas. Ruas nuas de árvores e jardins não incentivam a caminhada e estão fadadas a uma dinâmica urbana de pouca vitalidade. Integrados a um bom planejamento e uma legislação de uso e ocupação do solo moderna, o verdejamento das cidades pode moldar o comportamento de seus habitantes para uma vida mais saudável e ativa. O caminho da biofilia pode guiar a transformação da paisagem urbana a partir de um propósito de criar cenários promotores de bem-estar.

Afinal, queremos viver em lugares feios e tristes ou belos e com vitalidade? Soluções baseadas na natureza devem pautar políticas públicas em prol de cidades biofílicas. Novos projetos urbanísticos, além de preservar as árvores existentes, que são berçários naturais para a fauna, necessitam ampliar a biodiversidade da flora com novas espécies – ecoando o canto dos pássaros, ampliando a beleza cênica e paisagística de praças, trazendo bem-estar e encantamento aos passantes. A vanguarda do atraso seria que futuros vereadores e prefeitos apoiem uma urbanização baseada na biofobia.

Jaime Lerner, destacado arquiteto brasileiro, escreveu: “se a vida, como disse Vinicius de Moraes, é a arte do encontro, a cidade é o cenário desse encontro.” Permitir que as áreas verdes cresçam como cenário das cidades é um ato de gentileza, pois melhora nosso bem-estar. Por outro lado, se a vida urbana ficar restrita aos espaços privados, a cidade morre, pobre de vitalidade e de encontros. Sem a natureza, até a “Garota de Ipanema” do poeta não seria assim tão linda e cheia de graça.

Além disso, o influente urbanista dinamarquês Jan Gehl defende o conceito de Cidades para Pessoas. Gehl advoga que bons espaços públicos são caminháveis, estão protegidos dos carros, têm ciclovias e, em tempos de aquecimento global, têm árvores e áreas permeáveis em profusão. Esses conceitos estão em sintonia com a visão de biofilia e inspiram o debate sobre o futuro das cidades.

Por fim, a construção da cidade que queremos requer mais áreas verdes. Uma cidade para pessoas que se permita florescer.

(*) João Picanço é engenheiro do BNDES e mestre em políticas públicas.

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