Guilherme Maia – Economista do BNDES
No creo en brujas, pero que las hay las hay
Vínculo 1302 – A semana passada encerrou-se com um ligeiro ensaio de pânico no mercado financeiro brasileiro, com disparada da taxa de câmbio e queda recorde na bolsa de valores. O momento de extrema volatilidade não surpreende aqueles que acompanham os movimentos dos mercados financeiros mundo afora, sempre caracterizados por uma “racionalidade própria” bem distante da hipótese de mercados eficientes (HME) na qual, mesmo na presença de agentes não racionais, o mecanismo de arbitragem levaria os valores dos ativos aos seus “valores corretos”, i.e., aqueles que expressariam seus fundamentos.
A experiência acabou por evidenciar que os movimentos nos mercados podem se caracterizar por comportamentos de manada quando todos compram na expectativa que os preços continuem a subir ou, alternativamente, todos vendem na perspectiva que os preços continuem a cair. Uma “exuberância irracional”, segundo Robert Shiller. Nas suas palavras, as decisões incorretas decorrem “…from a failure to understand that others are not making independent judgments but are themselves following still others – the blind leading the blind “.1
Embora estes comportamentos não sejam novidade (uma das primeiras crises especulativas registradas ocorreu no mercado de tulipas na Holanda na década de 1630), a crescente conexão dos mercados internacionais conhecida como globalização financeira ajudou a difundir e ampliar seus efeitos mundo afora. Como a compra e venda de ativos entre diversos países passa pelos mercados de divisas, as taxas de câmbio passaram a acompanhar a volatilidade nestes momentos.
Ocorre que como a taxa de câmbio é um preço muito importante na economia (impactando, dentre outras variáveis relevantes, a inflação corrente) as autoridades monetárias costumam intervir para suavizar estas flutuações, seja atuando na compra e venda de divisas (à vista ou em swaps cambiais) ou através de movimentos na taxa de juros. Na recente crise, por exemplo, o Banco Central do Brasil (BCB) ofertou no mercado futuro o equivalente a US$ 14,1 bilhões entre 14 de maio e 7 de junho. Comprometeu-se a disponibilizar até o dia 15 de junho mais US$ 24,5 bilhões (Valor, 12/06/2018).
No que se refere à taxa de juros, as diversas estimativas da função de reação do BCB, desde a implementação do regi-me de metas de inflação, sempre incluem como determinantes da taxa básica as expectativas sobre a variação da taxa de câmbio, conjuntamente com os tradicionais hiato do produto e desvio da inflação esperada da meta de inflação (apenas uma Regra de Taylor)2. Donde se depreende que é bastante razoável supor que fortes pressões de desvalorização do Real poderão suscitar uma elevação da taxa básica de juros. Vale destacar que embora a função de reação do BCB vá orientar o sentido variação da taxa de juros ela não é estritamente determinante, pois há um Comitê de Política Monetária (Copom) que, discricionariamente, atua avaliando a pertinência e a magnitude deste movimento de acordo com a conjuntura econômica.
Se os movimentos voláteis nos mercados financeiros não são novidade para ninguém, menos ainda o são para os habitantes dos países emergentes (ou países periféricos para aqueles que não se escandalizam com esta taxonomia démodé) emissores de moedas frágeis, dependentes de reservas em moeda forte e frequentemente deficitários em transações correntes. Crises financeiras acompanhadas de crises monetárias são tão corriqueiras nestes países quando enfadonhas (exceto, é claro, para seus habitantes). A história da América Latina é repleta destes eventos.
Assim, se Argentina e Turquia enfrentam fortes crises cambiais é natural que o Brasil entre na fila e sofra com o aumento da incerteza, volatilidade no preço dos ativos e especulação cambial. Que estas crises se repitam e que a tendência seja de elevação da taxa de juros nestes casos é altamente provável. Isso não tem absolutamente nada a ver com ausência de patriotismo, fé ou coisa que o valha. É simplesmente o reconhecimento das características dos mercados financeiros em uma economia globalizada e das especificidades dos mercados emergentes.
No caso da crise recente, além das questões domésticas ligadas à incerteza eleitoral, há um fator externo extremamente relevante. Após anos de uma política monetária radicalmente anticíclica que despejou trilhões de dólares nos mercados dos países desenvolvidos, acarretando taxas de juros negativas em termos reais, existe a expectativa de que estes países voltem à normalidade monetária, com taxas de juros positivas e atrativas. Neste contexto, mais uma vez, a tendência é de elevação das taxas domésticas para evitar movimentos de fuga de capitais e pressões nos mercados de câmbio.
E como fica o investimento nestes momentos? Por óbvio, no auge do turbilhão as decisões costumam ser postergadas, haja vista que decisões cruciais de baixa reversibilidade não são compatíveis com cenários turvados por comportamentos erráticos permeados pela incerteza. Passados estes momentos e reduzida a imprevisibilidade, as decisões de investimento devem, progressivamente, voltar a ocorrer. Certo?
Sim, mas ocorre que agora, ao menos para aqueles que buscarem financiamentos atrelados à TLP, há outras considerações a fazer. A taxa tem dois componentes, um indexado à inflação e outro correspondente a uma taxa “real” naturalmente atrelada à taxa básica. Consequentemente, pelos motivos expostos, ambos imprevisivelmente associados à exuberância irracional dos agentes econômicos. Notem que o fórum que garante a discricionariedade que permitiria avaliar a pertinência ou não da elevação da taxa de juros permanece sendo o Copom, cujo mandato está restrito à manutenção da estabilidade monetária. Investimento e crescimento econômico são, no máximo, considerações acessórias.
É claro que sempre podemos imaginar céus de brigadeiro: preços de ativos estabilizados, baixa inflação e crescimento sustentável, enfim, a Grande Moderação3. Ben Bernanke que o diga. Mas aí veio 2008 e…
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1 Shiller, Robert, Irrational Exuberance, 2# edition. New Jersey: Princeton University Press,p.xiii, 2005 Robert Shiller ganhou o chamado Prêmio Nobel de Economia – na realidade o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória a Alfred Nobel, concedido pelo Banco da Suécia) em 2013, justamente por suas contribuições no entendimento dos processos especulativos. Curiosamente dividiu o prêmio com Eugene Fama, da Hipótese dos Mercados Eficientes. Tal fato nos leva a interessantes reflexões sobre o caráter científico da Economia.
2 A regra de condução da política monetária com base nos desvios da inflação de uma taxa de inflação acordada (a popular meta de inflação) e no hiato do produto (diferença do PIB corrente e o PIB potencial) foi proposta inicialmente por John Taylor em “Discretion versus Policy Rules in Practice“, Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy, North-Holland, n. 39, p.195-214, 1993.
3 Em 2004, Ben Bernanke, futuro Chairman do Federal Reserve, cunhou o termo Grande Moderação referindo-se ao período de estabilidade da economia norte-americana. Em grande parte atribuiu a ausência de crises à moderna gestão de política monetária. Ironicamente teve que enfrentar a crise Subprime iniciada em 2007 e que atingiu seu auge em 2008. Premido pela realidade decidiu para uma política monetária altamente heterodoxa, os Quantitative Easings.