E a nulidade das cláusulas 10 e 15 da Resolução DIR n. 3135/2017
Carolina Tupinambá – Sócia do escritório Tupinambá Advogados
Vínculo 1255 – Em 26 de agosto de 2015, a AFBNDES ajuizou o Processo nº0011248-71.2015.5.01.0005 contra o BNDES. O processo foi distribuído para a 5ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.
A referida ação civil pública objetiva, em termos resumidos, o seguinte: (i) a declaração de nulidade do Plano PECS, determinando que o Banco enquadre os atuais empregados do PECS nas condições estabelecidas no plano PUCS; (ii) o reconhecimento de que todo empregado do BNDES que contar, no mínimo, 6 (seis) anos completos, consecutivos ou não, de efetivo exercício de função de confiança deve ter assegurado, quando dela dispensado por iniciativa do Banco, o direito de continuar percebendo a gratificação ou comissão correspondente à função; (iii) a condenação do BNDES a pagar indenização por dano moral coletivo pela submissão do corpo funcional há mais de uma década à flagrante situação de assédio moral coletivo institucionalizado.
Em suma, a ação ilustra que a incorporação salarial é devida aos trabalhadores que percebem gratificação de função executiva habitual, por múltiplos fundamentos jurídicos, sendo os principais deles os seguintes:
A) O plano PECS é nulo, pois apresenta vício formal (ausência de homologação) e inaugura condição menos benéfica que o plano PUCS anterior, o qual determina expressamente a incorporação salarial da gratificação de função executiva a partir do sexto ano de exercício, contínuo ou não;
B) A teoria do conglobamento autoriza a utilização do critério de incorporação previsto no plano PUCS, já que o PECS é omisso e ambos convivem atualmente;
C) Os associados substituídos na ação receberam ou recebem gratificação contínua e habitual, já atendendo aos valores guarnecidos pelo enunciado de súmula n. 372 do TST;
D) A alternância de salário tem sido utilizada como instrumento de assédio moral institucional em prejuízo dos trabalhadores;
E) Os empregados vinculados ao PUCS têm ou tiveram as gratificações incorporadas ao salário, o que configura tratamento anti-isonômico injustificado, fatiando o corpo de funcionários em castas injustificáveis e premidas em direitos sociais;
F) Em perspectiva individual, os rebaixamentos desmotivados configuram alteração in pejus dos contratos de trabalho de todos os associados substituídos na ação, nulos, portanto;
G) Os rebaixamentos desmotivados configuram redução salarial e retrocesso social, nulos, portanto;
H) O BNDES desde 2003 vem se manifestando, via pronunciamentos e acordos coletivos firmados, intenção de instituir novo plano de cargos e salários, prometendo, indiretamente, a integração salarial das gratificações de função operada pelo BNDES.
Desde que admitidos por concurso, os trabalhadores do BNDES contratados na “era PECS” penam pela angústia e insegurança às quais são submetidos pelos traços de suas relações de trabalho. O cenário que enseja os danos morais postulados é composto pelos seguintes elementos:
A) Incerteza sobre as funções e remuneração do mês seguinte;
B) Assédio moral sistêmico, de amplo alcance e utilizado como instrumento de barganha para manutenção de funções gratificadas, inexistindo qualquer providência eficaz por parte do Banco réu para combatê-lo, como sanções e medidas disciplinares contra os assediadores;
C) Tratamento anti-isonômico em relação a colegas de trabalho;
D) Rebaixamentos desmotivados;
E) Significativo número de empregados vítimas da Síndrome de Burnout e outras enfermidades resultantes do assédio organizacional;
F) Gestão abusiva institucionalizada não vinculada ao trabalho em si, mas, sim, ao ambiente de trabalho;
G) Gestão de recursos humanos baseada na intimidação pela potencial perda de função e exagerada cobrança de resultados;
H) Pressão sobre potencial perda de função permanentemente mantida em níveis insuportáveis; e
I) Configuração inequívoca de assédio institucional e straining, ou seja, gestão por stress.
O juízo de primeiro grau julgou extintos sem resolução do mérito os pedidos da referida Ação Civil Pública, por aparente ilegitimidade da AFBNDES. Contra a decisão foi interposto Recurso Ordinário. O Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao referido recurso, determinando o retorno do autos para o julgamento efetivo da demanda, reconhecendo a plena e absoluta legitimidade da AFBNDES para a defesa dos trabalhadores.
Enquanto se aguarda nova sentença, corre o Projeto de Lei n. 38/17, qual seja, a Reforma Trabalhista, que, dentre inúmeras alterações na CLT, pretende mudar o artigo 468, com relação direta com o objeto da ação (ver quadro).
Redação Atual
Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único – Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
Alteração
Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
§ 1º…………………………………
§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.”(NR)
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Com a Reforma no forno, o Banco editou a Resolução DIR n. 3135/2017 com dispositivos capciosos. Vale a transcrição, com destaques:
Art. 3°. A vantagem denominada “Incorporação do Valor de Gratificação ou Comissão de Função de Confiança” não será reconhecida de ofício, cabendo ao interessado apresentar requerimento à UAP responsável pela administração de recursos humanos, para pleitear a assinatura de termo referente à estabilidade financeira, na forma prevista na presente Resolução.
Parágrafo Único – O reconhecimento da vantagem denominada “Incorporação do Valor de Gratificação ou Comissão de Função de Confiança” retroagirá à data do requerimento administrativo.
Art. 10. Caso o empregado seja autor de ação judicial em que pleiteie verbas relacionadas à manutenção ou incorporação da gratificação ou comissão de função (tais como o pagamento de indenizações, a qualquer título, decorrentes do seu não reconhecimento de ofício, ou o pagamento de gratificação ou comissão em valor superior ao previsto na presente Resolução), o mesmo deverá comprovar ter desistido da ação em questão, devendo ser sobrestada a apreciação do requerimento administrativo, até que se efetive o encerramento do processo judicial.
Art. 13. Deferido o requerimento, será assinado termo pelo empregado e por representante do BNDES, em que será consignado o seguinte:
I – o BNDES reconhecerá o direito do empregado à vantagem denominada “Incorporação do Valor de Gratificação ou Comissão de Função de Confiança”, nos termos desta Resolução;
II – o empregado reconhecerá não fazer jus a outras verbas, trabalhistas ou não, decorrentes da sua destituição da função de confiança, além daquelas previstas nesta Resolução; e
III – o BNDES e o empregado comprome-ter-se-ão, reciprocamente, a recolher, de forma partidária, as complementações necessárias ao equacionamento de eventual impacto de sua situação individual no Plano Básico de Benefícios mantidos pela FAPES.
Art. 15. Na hipótese de alteração na legislação pertinente e de modificação pelo Tribunal Superior do Trabalho do disposto atualmente na Súmula n° 372, item I, as regras constantes da presente Resolução deverão ser imediatamente adequadas às novas disposições.
Em suma, o Banco reconhece o pedido de incorporação de função devido, condicionando-o, abusivamente, à desistência da ação e à improvável manutenção da súmula n. 372 do TST e/ou da redação atual do art. 468 da CLT.
Melhor dizendo, o Banco quer conferir o reconhecimento do direito dos trabalhadores apenas a título precário, com a possibilidade de retrocesso imediato, a partir do texto porvir da legislação reformada.
Em verdade, a Resolução DIR n. 3135/2017 é apenas um caminho pelo qual o BNDES tenta seduzir interessados, antes que um título judicial com força de coisa julgada o obrigue a definitivamente incorporar as gratificações nos respectivos contracheques de todos aqueles que tenham mais de 6 anos de exercício de função gratificada, independentemente de qualquer futura alteração legislativa.
A integração salarial via Resolução DIR n. 3135/2017 não terá qualquer garantia. Já a integração salarial via execução de decisão judicial transitada em julgado será imutável.
Por esta razão, em busca de segurança jurídica e da efetividade de seus direitos trabalhistas, acertadamente, alguns empregados estão ingressando com ações individuais pedindo a declaração de nulidade das cláusulas 10 e 15 da Resolução DIR n. 3135/2017, as quais ferem garantias constitucionais como acesso à Justiça, Direito Adquirido e Ato Jurídico Perfeito.