Celso Evaristo Silva – Diretor institucional (2) da AFBNDES
Vínculo 1338 – “Você leva a vida inteira para construir uma reputação e apenas um segundo para destruí-la…” – Capitão Shakespeare, no filme “Stardust – O Mistério da Estrela”
O Barão do Rio Branco (1845-1912), estadista visionário, formulou como princípios fundamentais de nossa diplomacia: a resolução dos problemas de fronteiras do Brasil por via pacífica, através do uso do mecanismo de arbitragem internacional e o processo negocial resolutivo. O Império e a República utilizaram, em várias oportunidades, o recurso ao arbitramento e à negociação para solucionar conflitos internacionais. Foi o caso da Guiana, naquele tempo, Guiana Inglesa; na questão de Palmas, com a Argentina, no oeste de Santa Catarina; e com a França, na pendenga com o território da Guiana Francesa. Ganhamos quase todas as disputas, perdendo apenas na questão da disputa com a Guiana Inglesa. Defendíamos a tese de que nossas fronteiras iam até a foz do Orinoco. Joaquim Nabuco (1849-1910) defendeu o ponto de vista brasileiro. O árbitro escolhido foi o rei da Itália, Vítor Emanuel III (1849-1946), que deu ganho de causa aos ingleses. Acatamos o resultado arbitral. Perdemos a maior parte do território disputado, porém, o respeito ao princípio adotado conferiu à diplomacia brasileira o reconhecimento internacional mantido até hoje. Na disputa pelo Acre, a diplomacia brasileira foi hábil na negociação com a Bolívia, evitando o acirramento de disputa entre garimpeiros brasileiros e bolivianos, conquistando o território e cedendo parte bem menor de nosso território, além do compromisso de construção da ferrovia Madeira-Mamoré, que ajudaria no escoamento da produção de borracha. Pelo Tratado de Petrópolis, a Bolívia cedia o Acre em troca de territórios brasileiros do Estado de Mato Grosso, além do pagamento de 2 milhões de libras esterlinas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas (1882-1954), respaldado pelo quadro diplomático do Itamaraty, manobrou habilmente entre as rivalidades norte-americanas e germânicas, tendo como resultado o financiamento de 45 milhões de dólares do Import and Export Bank para instalação siderúrgica de Volta Redonda com capital integralizado nacional e predominantemente público. O apoio norte-americano, em que pese a contrariedade de grandes companhias dos EUA, só foi possível em face da situação de guerra, e ocorreu mediante amplos acordos econômicos e estratégico-militares: a concessão de bases aéreas no Nordeste, fornecimento de matérias-primas necessárias ao esforço de guerra, o financiamento de estradas de ferro e mineração no vale do Rio Doce, empréstimos para compra de armamentos etc. Resultou daí, também, a criação da Cia Vale do Rio Doce.
A criação do Estado de Israel foi outro momento de importância na atuação brasileira junto à ONU, na figura do diplomata Osvaldo Aranha. Ele presidiu, em 1947, uma sessão especial da Assembleia-Geral da ONU no apoio à partição da Palestina britânica, evento que levou à criação do Estado israelense, em 1948. A resolução também previa um Estado árabe, ainda inexistente. O brasileiro é considerado fundamental para a decisão da ONU por ter feito lobby por um voto positivo. Ele foi nomeado ao Nobel da Paz. Inaugurou-se, assim, a tradição seguida até hoje: a de que o chefe da delegação brasileira seja o primeiro a discursar na reunião. Seja em Suez, no Congo, em São Domingos ou na República do Congo, a diplomacia brasileira tem sempre trabalhado em prol da paz.
Resumindo, as linhas mestras da atuação de nossa diplomacia tem sido: a defesa da convivência pacífica entre as nações, o pragmatismo responsável, o respeito à autodeterminação dos povos, a não ingerência em assuntos internos dos países e a negociação e o diálogo como mecanismos de viabilização efetiva desses princípios.
Mesmo ciente da proximidade dos valores do mundo ocidental, tendo à frente a liderança dos EUA, nossa diplomacia sempre soube manter certa autonomia decisória acerca dos interesses nacionais, barganhando, cedendo e alcançando vantagens possíveis no âmbito da ética civilizacional do universo diplomático, seja com os norte-americanos, europeus, orientais etc. Nunca optamos pelo engajamento automático com qualquer potência estrangeira, embora algumas declarações desastrosas tenham dado, por vezes, esse sentimento. A do então embaixador brasileiro em Washington, Juraci Magalhães (1905-2001), durante o regime militar de 1964, foi uma delas: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
A recente postura da diplomacia brasileira de alinhamento incondicional com as estratégias e interesses dos EUA joga por terra toda uma tradição meticulosamente construída desde D. João VI. Se o poder gravitacional do Grande Império nos impede a independência total, a construção de certo grau de autonomia nos parece o caminho mais correto para uma nação que se pretende soberana – dona de seu próprio destino.