Arthur Koblitz – Vice-presidente da AFBNDES
Vínculo 1293 – Estamos não apenas sob um massacre de medidas políticas voltadas para limitar ou mesmo destruir a instituição que tantos de nós temos orgulho de pertencer ou de ter pertencido. Estamos sob ataque ideológico pesado, e para mostrar o caráter falacioso do que está aceleradamente se transformando em senso comum (favor não confundir com bom senso) não é preciso ir muito fundo. Espero deixar algumas pistas por que acho que nós, benedenses economistas ou não, precisamos estar mais armados para sobreviver a este assalto de ideias suicidas.
Examinemos declarações recentes de influentes economistas.
Presidente Dyogo Oliveira: “Acho que a história dos juros subsidiados no Brasil cumpriu seu papel”. Persio Arida (economista, banqueiro e coordenador do programa econômico do pré-candidato Alckmin): “O papel do BNDES concedendo subsídios acabou com a TLP. A TLP foi um enorme avanço”.
Primeira reação muito preocupante. Uma radicalização da retórica que o governo manteve na defesa da TLP. Alguém se lembra que eles garantiam que subsídios continuariam via Congresso Nacional?
O novo presidente do BNDES acompanha o discurso da moda: a condenação do subsídio. Similar à condenação do déficit fiscal, do protecionismo. A condenação do subsídio é uma forma de condenação à intervenção estatal. Faz algum sentido aderir à essa tendência? Uma coisa que deveria ficar bem clara a quem entra no BNDES é que o Banco é um grande mecanismo de alocação de subsídios. É isso. É isso o que nós somos. Todo mundo sabe disso. E é bom que todos nós, que operamos essa máquina, tenhamos isso claro. Fomos criados para isso, assim como várias outras instituições criadas no pós-guerra em todo o mundo. Não há nada de errado com isso.
Sim, subsídios vêm sendo perseguidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Principalmente porque a OMC, como os demais órgãos de governança mundial, se tornou menos compromissada com os países em desenvolvimento. Há uma lista dos subsídios que são proibidos, outros que não, há problemas para mensurá-los. E para simplificar uma história complicada com a TJLP-FAT e a realidade do nosso mercado de crédito encontramos uma defesa razoável para a nossa prática. Por que precisamos de subsídios? Subsídios no financiamento do crédito são um instrumento poderoso para influenciar decisões de investimento na direção das atividades econômicas portadoras de desenvolvimento, leia-se atividades industriais. Então a resposta é que precisamos de subsídios porque temos uma economia industrial subdesenvolvida que tem caminhado rapidamente para trás; porque não vamos nos “reinventar” no setor de serviços que interessa se não tivermos indústrias; porque a agricultura e a mineração não vão empregar a massa de brasileiros que estão por aí. Essas são algumas razões.
Trata-se da tão ridicularizada “jabuticaba”? NÃO! Acompanhemos, por exemplo, a discussão entre europeus e americanos sobre a disputa entre Airbus e Boeing. Os americanos acusam os europeus de subsidiarem o Airbus pesadamente. Estão certos. Os europeus respondem que os americanos subsidiam a Boeing através de gastos militares (aviões comerciais da Boeing muitas vezes são desenvolvimentos de aviões encomendados pela aeronáutica americana). Estão certos também. Detalhe: estamos falando de países desenvolvidos. Se eles não podem dispensar apoio estatal em atividades estratégicas, podemos nós?
O exemplo americano é interessante porque os brasileiros que mais condenam os subsídios normalmente são pós-gradua-dos em economia nos Estados Unidos, em geral voltam de lá muito impressionados com o modelo americano. Nos Estados Unidos não temos um banco de desenvolvimento. Por que precisaríamos nós? Parecem pensar nossos colegas.
Mesmo quem não sabe nada sobre economia, sabe que os Estados Unidos perderam a liderança em vários seguimentos industriais para europeus e asiáticos. Uma pergunta que essas pessoas deveriam se fazer: em que áreas os americanos retiveram vantagens manufatureiras? A resposta: em todos os setores irrigados pelo orçamento de defesa (e também em setores envolvidos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico na área de saúde). Ou seja, o exemplo da indústria de aviação não é uma exceção: sobreviveram os setores beneficiados por subsídios governamentais. Por que nossos colegas entusiastas do modelo americano são menos familiares com essa “característica institucional”? Bem, economistas não são convidados para dar “pitaco” no orçamento militar americano.
Na Europa, leste asiático, a participação de setores governamentais é ainda mais explícita. Qual modelo deveria nos inspirar numa reformulação do BNDES? Devemos nos basear num modelo teórico altamente controverso, como o que povoa a imaginação de economistas acadêmicos ortodoxos? É esse o modelo que segue a Índia? A China? A Alemanha? Vamos tornar a discussão mais concreta. Queremos seguir a Colômbia? O México? O Chile?
Ao invés da discussão existencial-suicida do fim dos subsídios, deveríamos nos debruçar sobre questões construtivas e essenciais. Aonde devemos alocá-los? Que contrapartidas deveríamos exigir para concedê-los? Como lidar com as limitações e regras impostas pela OMC? Há espaço para uma avaliação crítica profunda do BNDES se assumirmos essa agenda. Não há respostas fáceis, nem puramente ideológicas nesse caminho. E não está além do nosso alcance. Nos anos 50, num país com uma dotação muito menor de talentos, fomos capazes de inovar em tantas áreas. A política de contrapar-tida com base em exigência de conteúdo local é uma contribuição brasileira. Transformamos então o apoio à instalação de multinacionais em desenvolvimento de pequenas e médias empresas de capital nacional, e arrancamos para 30 anos de invejável progresso. Ao menos no campo produtivo, que era e continua sendo a responsabilidade fundamental da nossa instituição.
A metodologia de conteúdo local desenvolvida recentemente para o setor eólico é uma prova de que honramos nossas tradições e de que engenhosidade não nos falta. Ao perseguir essa agenda temos que examinar criticamente nossa história, examinar o exemplo de países bem-sucedidos no mundo atual. Temos que ousar.
Se você acha que isso é um guia pouco concreto, compare com a alternativa de que precisamos, de algum jeito, “reinventar” o BNDES, que a “securitização” é a grande saída ou que a TLP é a nossa salvação.