Tadeu Cortez – Administrador no BNDES
Vínculo 1308 – O portal de notícias G1 acaba de lançar um serviço de checagem de conteúdos suspeitos, batizado de “Fato ou Fake”. Parece que agora, então, temos uma solução para a questão das fake news. Se o Grupo Globo disser que é fato, você pode acreditar. Se disser que é fake, você não acredita.
As Organizações Globo, com isso, se autodenominam donas da verdade. O que, convenhamos, já acontece na prática. Num país com praticamente um monopólio na comunicação de massa, o único veículo mais confiável que temos é a TV Globo. Quando surge algum fato ou notícia que a priori nos parece estranha, é comum buscarmos em canal do Grupo Globo algum tipo de confirmação sobre o assunto.
Já vi muita discussão na internet, no rádio e na TV sobre o que ficou conhecido como fake news. Termo que significa simplesmente “notícia falsa”, que a meu ver não faz o menor sentido. Notícia é notícia. Se ela é falsa ou não, cabe a quem lê ou a quem ouve concluir.
Semana passada foi noticiada a descoberta de água líquida em Marte. Grande notícia! Mas será que é verdade mesmo? Ou pode ser uma fake news? A notícia se baseia em um estudo realizado por pesquisadores italianos, publicado na revista Science, que teve como base dados coletados por um radar da Agência Espacial Europeia. Realmente, diante das fontes envolvidas, há fortes indícios de que não se trata de uma notícia falsa e que pelo menos os resultados do estudo fazem algum sentido no campo científico. Acontece que esses “fortes indícios” só existem devido à credibilidade que foi dada ao longo de décadas às instituições envolvidas ou citadas na matéria.
Se a notícia, ao contrário, dissesse por exemplo que a água líquida em Marte foi descoberta por um camponês que observava o céu através de um binóculo quando uma gota de água caiu em sua lente bem no momento que ele a direcionava para o planeta vermelho, ninguém acreditaria. Ou então se, de forma um pouco menos estapafúrdia, o estudo tivesse sido conduzido por pesquisadores nigerianos com base em dados da Agência Espacial do Congo, criada em 2017, seria bem provável que o fato nem fosse publicado pelo Grupo Globo, muito menos pela revista Science. E de qualquer forma, para saber se existe água mesmo em Marte só indo lá pessoalmente para tomar um gole ou se molhar. Fora isso, você estará sempre diante de um fato narrado por alguém, que disse a você que existe água em Marte, seja esse alguém confiável ou não.
Notícia falsa sempre existiu e sempre vai existir. A questão é que o acesso à informação é cada vez maior e o número de fontes sem credibilidade aumenta a cada dia. E, na tentativa de evitar que as pessoas sejam mal informadas, os esforços para combater as chamadas fake news acabam por concentrar ainda mais o “poder da verdade” nas mãos de poucos veículos de comunicação, ou até mesmo de tribunais, gerando o risco de censura e sem resolver o problema. Porque, na realidade, o problema não está na propagação sem precedentes de notícias falsas, mas sim no fato de que as pessoas estão acreditando em qualquer coisa que leem, ouvem ou assistem nas redes sociais, sem ter qualquer olhar crítico sobre os temas.
É preciso, mais do que nunca, educar a população para que as pessoas saibam avaliar suas fontes de informação. Nem tudo que é dito por determinado veículo é 100% verdade. A forma como um mesmo assunto é tratado por diferentes emissores pode levar o leitor, o espectador ou o ouvinte a interpretações completamente distintas, muitas vezes até mesmo opostas, sem que se possa dizer que um ou outro veículo esteja mentindo.
Na era da informação, calar é impossível e impensável. O pensamento crítico precisa ser estimulado. É preciso aprender a ler, a escutar, a filtrar e a interpretar. Porque no fim das contas a verdade vai estar sempre, e somente, dentro das nossas cabeças.