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Meganhas, Marmotas e Três canos fumegantes

Paulo Moreira Franco – Economista, aposentado do BNDES


Ai, hein?

Pensa que eu não sei?
Toma cuidado pois um dia
Eu fiz o mesmo e me estrepei!
Aí, hein?
Pensa que eu não sei?
Sou camarada
Faz de conta que eu não sei (Lamartine Babo)

Vínculo 1522 – Semana passada um amigo querido me envia um editorial do Estadão, “Os inimigos do Estado”. “As informações reunidas pelo gabinete de transição revelam mais do que simples cortes de verbas e necessários remanejamentos orçamentários, mas uma profunda e generalizada desestruturação do Estado em suas mais diversas dimensões” diz o editorial.

Eu rio.

What took you so long, baby? O Estadão precisou do pessoal do gabinete de transição para descobrir isto? Uau! Debochado que sou conto a presença da palavra “militares” e da palavra “Guedes” no artigo. Inexistem. É como se Bolsonaro tivesse governado sozinho. Jesus, a palavra “sozinho” dá toda uma outra conotação a essa frase, como se Jair fosse outra coisa senão aquele colega de faculdade que só assinou o trabalho.

Eu rio.

Os primeiros nomes de ministro tornam-se públicos. Não aqueles que cuidarão de desenvolvimento, saúde, fome, educação. Não, esses não são assuntos complexos de transição. Esses são a terra arrasada do consórcio que assumiu o governo depois do Golpe, depois do engodo de se fazer do um dos mais despreparados dos deputados do Baixo Clero o Mito. Uma espécie de Chance o jardineiro regando com Brawndo.

Anuncia-se (ainda não oficialmente, claro) os Ministros da Defesa e da Justiça.

Flávio Dino é um nome óbvio, um nome perfeito se se considerar sua trajetória. Afinal, como ex-juiz concursado, ex-deputado, ex-governador, tendo um irmão na PGR, Flávio tem inserção/experiência de trabalho em todos os três poderes. É a experiência executiva de Flávio Dino que o torna algo raro nos que costumam ocupar esse cargo. Mais do que o jurista, o governador é o trunfo que pode fazer dele o homem certo num momento em que está tudo errado.

Antes de mais nada, o ministério da justiça tem debaixo de si um conjunto descontrolado de polícias. Sob a Polícia Rodoviária Federal, talvez a mais inserida no projeto de reeleição do governo que finda, pairou a suspeita de atos visando a impedir eleitores de votar nas regiões onde Lula era grande favorito no segundo turno, além de um corpo mole nas manifestações de caminhoneiros. Ilude-se quem acha que a polícia federal foi uma organização isenta no Golpe em 16, que não foi ativa participante dos desmandos da Lava Jato, que mesmo antes não teve algumas de suas facções atuando para derrubar governos.

Nada melhor para mostrar essa relação do que o pronunciamento de Jair Bolsonaro à imprensa quando da demissão de Moro (e do chefe da PF por ele indicado):

“Apesar de a lei de 2014 dizer que a indicação para esse cargo a nomeação é exclusiva do senhor presidente da República, abri mão disso, porque confiava no senhor Sérgio Moro. E ele levou a sua equipe, trouxe a sua equipe aqui para Brasília.

Todos os cargos-chaves são de Curitiba. Inclusive, a Polícia Rodoviária Federal. Lógico, me surpreendeu. Será que os melhores quadros da Polícia Federal, todos estavam em Curitiba?”

Perca a ilusão de que alguma vez isso foi ou poderia ter sido uma “decisão técnica”, cara leitora. Não é e não é para ser. Essa a ilusão “eu sou honesta” que levou ao Golpe.

Mas não se resume a polícias sob seu comando o problema de Dino. Sob seus colegas governadores há também polícias insubordinadas. Há graves problemas de contravenção, de crime, que alimentam a insatisfação da população, que alimentam esquemas políticos, que deram vida ao governo que cessa. Melhorar a questão de segurança sem cair em cloroquinagens é o segundo grande desafio.

O outro ministro, o da Defesa, bem, este é outra história. José Múcio Monteiro foi uma escolha dos militares. À primeira vista, incauta leitora, a ideia de que alguém que até o século XXI foi membro do Maior Partido do Ocidente™ (e de seus dois herdeiros, PDS e PFL) agradaria aos nossos militares, tão relembrados pelos que protestam nos muros de seus quartéis, parece óbvia. Mas o óbvio é aquilo que os mágicos usam. Devemos pensar em outra hipótese. Que atributos mais teria José Múcio para ser tão querido pelos militares?

Façamos uma primeira volta ao cão que não latiu no editorial do Estadão: cadê os militares? Sabe a tal da destruição verificada? São os milhares de membros das forças armadas a conduziram, com sua inexperiência para os cargos que foram nomeados durante o Governo Bolsonaro. Tá certo, eles o fizeram sob o controle de despesas conduzido por Guedes e sua entourage. Mas os atos administrativos são deles. Em geral, qualquer coisa que você faça no Governo implica em anos de perseguição pelo TCU e assemelhados. Vós, do BNDES, sabeis disso melhor do que ninguém. Não só como instituição tendo que desmobilizar recursos sob os mais absurdos argumentos, mas as perseguições a indivíduos, o tempo perdido respondendo a questionamentos despropositados, as mudanças extemporâneas de interpretação, as reputações danificadas por pessoas que não respondem às consequências de seus atos.

Pense cá comigo: quantos desses militares tem pequenos deslizes, atos inocentes de incompetência burocrática? Quantos terão seus atos devassados pelo TCU? Não é nem necessário que se quebre o tabu de investigar o que fizeram dentro das forças armadas: basta o estrago para a corporação ao se investigar os milhares de militares que foram ocupar “as boquinhas”, os cargos com DAS da administração federal.

Os militares não estão querendo um camarada ministro ou ministro camarada: eles querem um lobista, um advogado, um negociador. Eles querem um insider que possa livrar esse conjunto de parças que um dia comandaram praças da caneta ávida do Sistema U.

Por fim, desfaz-se o erro, erro sintomaticamente também cometido por Collor, de unificar toda área econômica-fiscal sob um mesmo ministério. Mercadante diz que vem por aí um novo MDIC, turbinado, de novo com BNDES. Isso discuto num próximo artigo.

Mas nesta semana, não sei se por obra e graça de algum burocrata do Senado mal ou bem intencionado, uma menção a MMT apareceu numa PEC que mexe com esta estupidez que é o teto de gastos. Uma menção simples, a questão de que o emissor de uma moeda soberana nunca fica inadimplente na própria moeda. O Mercado, esta entidade pela qual reza o silêncio dos atos de Guedes e sua entourage, teve um acesso de comportamento histriônico.

Desses três ministérios que vem por aí, ao que parece, um vai ter o ex-professor do INSPER Fernando Haddad (não se sabe qual). Outro, o MPOG sem a parte ligada ao desenvolvimento a se escutar o que disse Mercadante, há o persistente rumor de que ficaria com Pérsio Arida (ainda não solte fogos com isso, Arthur), um dos economistas mais conectados com o Vice-presidente. Creio dificilmente que uma política de MMT venha a ser exercida pelo governo que entra.

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