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Mercadante, ministros e dois Andrés fustigantes

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

Maybe those people are searching for their place
Maybe their time isn’t here
But you could never understand
Because it was your time to stay
But always the same goes on
Always the same goes on
Now you left the town
And I’m here looking for you
(Unencounter – Milton Nascimento)

Vínculo 1531 – E eis que um grande amigo pede que eu discuta o texto de outro querido amigo, do André Nassif para o CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). André com quem eu discuti tantas vezes usufruindo de uma carona para Niterói, que estava sentado ao meu lado no mesmo CEBRI quando cá esteve Randall Wray. Bom texto, leiam, discutam, aprendam com ele.

Indo direto ao ponto, para mim falta imaginação no bom texto do André. Aquele é um texto do que aqui se convencionou chamar heterodoxia, qual seja, algo que remete ao que era o mainstream de economia de centro-esquerda na época em que tanto eu quanto André cursamos Economia, um certo keynesianismo tropicalizado. Essencialmente, isso não se opõe à ortodoxia: a heresia se opõe a esta. E o texto carece de heresias. André, com todo seu jeito desajeitado e por vezes espalhafatoso, é um acadêmico sério, rigoroso. Os textos do André têm essa característica, essa virtude. Catem a discussão dele de alguns anos atrás sobre Regime de Metas de Inflação, por exemplo. E esse texto transmite esse rigor canônico, esse desejo de responder às perguntas vigentes sem propriamente questioná-las. Para isso… bem, um outro André, um dos que discutiram o paper do Nassif durante sua confecção, escreveu recentemente um artigo no Valor interessantemente incisivo. E herético, se tomarmos o sermo vulgaris a serviço dos trincados do Mercado como nossa ortodoxia.

Lara Resende faz um questionamento, entre outras coisas, da política de juros do BACEN, questionamento do qual não há nada a questionar. Tá, eu sou suspeito ao afirmar isso: sou um devoto de MMT há bem mais tempo que o Lara. Eu estava lá na Minsky em Ipanema em 2013, coletando um autógrafo do Randall Wray no meu exemplar de seu primer de MMT. Não me lembro de Lara lá, acho que esta não era sua praia ainda. Não me lembro se o Nassif esteve em algum dos dois dias. Mas Nelson Barbosa, que veio a ser ministro, estava e fez uma apresentação. Tratou de câmbio, de política monetária, uma visão bem mais sensível do que alguém que fora ministro por mais de uma vez e estava ali para pregar um arrocho no câmbio em nome do desenvolvimento (Bresser Pereira). Esther Dweck, que hoje é ministra, esteve também, noutra sessão. Uma apresentação sobre o estado de uma economia brasileira que, parafraseando Hiroito, não veio a se desenvolver propriamente a nosso favor. Tempos de tripé os meados da década de dez, os generais da economia brasileira travando a guerra dos anos 90.

Lara e MMT eu já discuti nestas páginas do VÍNCULO algumas vezes. Como em “O MoMenTo e o BNDES sob o Governo de União Nacional”, em abril de 2020. (Não veio um governo de união nacional, mas os militares terceirizando o que do ato de governar não estava nas mãos de Guedes para um parlamentarismo informal sob a maioria do Centrão. Qual seja, o moralmente impensável sob todos os pontos de vista pregados por nossas elites, bwahaha!) Uns meses antes, em dezembro de 2019, também escrevi sobre Lara em “Um Professor visita o Brasil”, exatamente sobre o evento onde eu e Nassif estivemos.

Mas continuando a sessão Recordar é Viver, na semana seguinte à eleição eu visitei o Arthur na AFBNDES, e comentei da necessidade de sairmos da amarra da discussão sobre TLP, TJLP, FAT, funding de mercado etc. e partirmos para uma discussão mais ousada, que botei no papel no artigo “Abertura”. E nessa conversa, antes mesmo de se saber sequer os nomes da equipe de transição, achava eu que Lara deveria ser cooptado para alguma discussão de funding do BNDES que avançasse na direção de MMT. 

Mas aqui estou mais do que nunca como cronista. Noutro artigo apresentarei a minha interpretação do Banco, deste momento. Mas vejo na Veja (e noutros mídia) que um “golpe” contra a “independência do Banco Central”, contra o delfim Fernando, é gestado por esse par de vilões do petismo retinto, Gleisi e Aloizio. Que o BNDES prepara um “plano fiscal”, intrometendo-se nas atribuições da Fazenda. E que Lara é quem eles querem botar no governo. E que a proposta desse “arcabouço” sai neste mês de março.

Bem, creio que dificilmente esse arcabouço sairá muito distante do trabalho que Lara coordenou no mesmo CEBRI antes da eleição. E certamente será melhor que o arcabuz usado no militar-monetarismo que havia até o ano passado.

Recordo que Lara já foi parte de outra tentativa de golpe contra certa ortodoxia da estupidez da equipe da Fazenda neste país: a infrutífera tentativa de FHC colocar a ala desenvolvimentista do PSDB (Serra, Mendonça de Barros et caterva) na condução do seu segundo governo. Dois meses depois, uma crise do Real no meio, uma discreta intervenção do FMI pôs Malan, Parente e Armínio a conduzirem o governo – e a quatro medíocres anos que levaram finalmente a esquerda ao poder.

O BNDES teria sido um elemento chave neste projeto tucano que não foi adiante, mas algo de muito relevante aconteceu nele: uma pequena Área foi criada. Funcionando como uma espécie de think tank, sob o comando de um José Roberto Afonso que tinha assessorado o então deputado José Serra na Constituinte, da Secretaria de Assuntos Fiscais saiu, entre outras coisas, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Um processo gradual, em interação com o Congresso, embedded como cantou Peter Evans.

A questão é: será Mercadante mais um Lessa, um presidente do Banco revoltado contra uma política econômica de um ministro da Fazenda despreparado, capturado pela burocracia e pelo “Mercado”, contra uma política que segundo seu entendimento técnico e político não faz sentido? Será ele ousado o bastante para propor medidas que produzam resultado do ponto de vista econômico sem ficar preso aos prismas do “macroeconômico” e do “equilíbrio fiscal”? Haverá o risco da desmoralização de um entendimento de MMT se o governo centrar sua atuação numa pauta de desigualdade, usando do déficit fiscal para resolvê-la, ao mesmo tempo negligenciando a urgente necessidade de se aumentar a taxa de investimento deste país (talvez a questão central tão cruelmente exposta por um Bresser preocupado com o câmbio uma década atrás)? Num prazo tão exíguo, terá a equipe que assumiu um Banco devastado pela estupidez desses quatro anos de desgoverno – além das bobagens contracionistas dos dois anos e meio de governo golpista – tido tempo de ouvir dos condutores de gestões anteriores, seja desses remotos tucanos, seja dos que circularam nos treze anos, algum relato de seus insucessos (a exumação sincera de insucessos é a maior fonte de aprendizado)?

Essas são cenas dos próximos capítulos em que vocês serão importantes figurantes, colegas do Banco. Tentem olhar para o futuro, tentem entender que as coisas que restam quebradas da Globalização Neoliberal não retornarão resolvida a Guerra Mundial que acontece hoje. Essa a componente principal que falta na discussão nacional neste momento: o Mundo mudou de novo. Como? Não se sabe ainda. Mas assim como poucos (e Lara, louve-se, foi um deles) entenderam a mudança anterior e reajustaram seus paradigmas, há o risco de continuarmos vivendo décadas passadas.

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