Rita Serrano – Coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas
Vínculo 1296 – Uma coisa mal compreendida por alguns dirigentes da nossa instituição é que os funcionários do BNDES querem acreditar. Pela simples razão de que essa é a saída mais fácil. A grande maioria quer voltar para sua baia inspirada pela liderança dos chefes, confiante que temos um novo rumo claro e determinado pela frente. Queremos acreditar que o novo presidente, diretor, superintendente, não importa, tem uma alternativa, um novo caminho para a atuação do Banco. Diria, portanto, que há uma disposição do corpo funcional em se iludir.
Porém, está difícil. Alguém poderia argumentar que o problema não é o que diz o novo presidente, em entrevistas e na conversa que tivemos na terça-feira (8), mas o fato de ser o terceiro presidente de um governo sem muita base de apoio e num período tão curto. E, não acho que erro tanto em simplificar, fomos traídos pelo primeiro e abandonados pelo segundo (ainda que essa forma de colocar as coisas poderia motivar em alguns a esperança de que com o terceiro as coisas serão diferentes por evocação de uma música antiga interpretada por Maria Bethânia).
Discordo dessa análise e apresento duas evidências para a racionalidade do ceticismo dos funcionários do BNDES em relação à mirada ao futuro que sugere a nova Administração.
O primeiro ponto é simples e objetivo. Durante a discussão pública sobre a TLP, o então ministro do Planejamento Dyogo Oliveira afirmou que a genialidade da medida estava no fato de o BNDES poder securitizar o projeto financiado e, com isso, renovar o seu “funding” (Valor Econômico, 11/07/2017). Agora o ministro virou presidente do BNDES e a TLP está valendo. Não deveria ser sua primeira medida indicar como e quando será demonstrada a genialidade da TLP? Não o fazer gera o mesmo tipo de questionamento que ocorreria sobre a qualidade de um comentarista de futebol que depois de defender que determinado clube contratasse um determinado craque – no caso de uma contratação cara e polêmica que dividisse a torcida – e que por uma eventualidade se tornasse o técnico desse clube e decidisse não escalar o craque polêmico que defendeu. Se não era bom comentarista, como podemos acreditar que vai ser bom técnico?
O segundo ponto diz respeito à questão da indústria. Na conversa com as Associações de Funcionários, em 27 de abril, Dyogo foi enfático: “é coisa do passado”. Na conversa de terça-feira ele não foi tão explícito, mas deixou claro que ela não é mesmo uma prioridade. Esse é um tema que nunca chegou a ser discurso oficial da gestão Maria Silvia, ainda que estivesse na boca de alguns de seus diretores e dos palestrantes que frequentaram a Casa nesse período. Estamos diante de um divisor de águas do discurso oficial da Administração do Banco.
É muito difícil superestimar o quão grave é esse passo. Telegraficamente seguem reações iniciais:
1. A América Latina vive um processo acelerado de desindustrialização precoce. É o que mostra o professor chileno Gabriel Palma, de Cambridge. Em 1965 éramos quase 75% da produção manufatureira dos países em desenvolvimento. A partir dos anos 80 acelera-se nossa perda de importância e, em 2008, chegamos a meros 25%. A velocidade da deterioração na região é particularmente grave em nosso país.
2. Não podemos fugir de enfrentar essa questão. A chave para o sucesso asiático e o desencaminhamento da América Latina estão no âmbito das políticas de longo prazo adotadas nas duas regiões. Algum diagnóstico nesse sentido precisa ser feito e parte dessa reflexão tem que ser feita no BNDES.
3. Não é verdade que a indústria deixou de ser o polo dinâmico da economia. O professor Ha-Joon Chang é muito feliz em sintetizar o descompasso entre percepção superficial e a realidade. O fato de nos encontrarmos numa sociedade pós-industrial, no sentido de que há uma queda na parcela de emprego na indústria de caráter universal, não significa que o motor das economias deixou de ser a indústria. O setor de serviços, suposta alternativa à indústria, é um conceito que cobre atividades econômicas absolutamente heterogêneas e, as que interessam, são justamente as que estão associadas ou dependem de um lastro de indústria. Se alguém considera quimérico retomar a industrialização no Brasil, deveria coerentemente considerar que mais quimérico ainda é pretender uma inserção brasileira nos serviços que interessam. Veja-se o caso da Embraer que se dedica cada vez mais ao processo de design, P&D etc. É concebível uma Embraer com essas atividades (serviços nobres) que não tivesse lastro na experiência industrial de uma empresa que esteve na ponta do seu setor?
4. Temos que trabalhar definitivamente na direção de conduzir a indústria brasileira para um padrão industrial intensivo em investimento em P&D e em aumento da produtividade. Temos que continuar examinando oportunidades de substituir importações ou substituí-las antecipadamente (antes que os produtos se tornem pauta importante de importação) e temos o desafio de fazer com que os setores que se instalem no país adquiram de forma mais rápida capacidade exportadora.
5. Para fazer isso precisamos reforçar nossa ação de conceder subsídios com base em contrapartidas ou condicionalidades. Os subsídios precisam ser significativos. Por isso alguma compensação para a perda da TJLP tem que continuar sendo alvo de esforço da articulação institucional de dirigentes do BNDES (e da AFBNDES). Melhor ainda seria voltar a dispor do nosso velho instrumento, perspectiva que está longe de ser irrealista uma vez que não se materialize o cenário cor de rosa para o comportamento da taxa de juros assumido pelo governo – ou seja eleito um governo com compromisso com o desenvolvimento.
6. Não é verdade que a queda da taxa de juros básica da economia significa que o diferencial de juros para financiamento de longo prazo seja desimportante. Isso equivaleria supor que apenas no Brasil o crédito subsidiado de longo prazo tivesse sido instrumento importante de política industrial.
7. Se os subsídios têm que permanecer significativos, e eles o foram recentemente, onde podemos encontrar bases para uma crítica da atuação recente do BNDES? Há algum tempo estou convencido que os problemas estão nas condicionalidades que são estipuladas, nas contrapartidas exigidas ao subsídio – seja por dificuldades no monitoramento do seu cumprimento, seja por falta de sua estipulação de forma mais estratégica, seja na própria ausência de condicionalidades. Essa é uma discussão que deveria mobilizar todo o corpo funcional. É a discussão para onde deveriam convergir o planejamento e inovações organizacionais.