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Um F-35, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“Oh, I takes dat gospel
Whenever it’s posible
But wid a grain of salt”
(Gershwin)

VÍNCULO 1591 – 22 de abril, Clube de Engenharia, 18:30. Pepe Escobar, novamente.

A plateia, como observou a pessoa (não guardei o nomeum boné com estrela vermelha, ex-IURD, um discurso caricato) que abriu o evento, composta por pessoas acima de 40. O que foi generoso da parte dele: acima dos cinquenta na sua maioria, aos 61 eu certamente não estava no quartil dos mais velhos.

Nos dias seguintes à Fofinha arrumar as entradas, eu tinha uma pergunta: pedir um detalhamento maior sobre como seria a transição entre o modelo atual de Nações Unidas, com todo seu aparato burocrático à imagem e semelhança do Ocidente; e as novas organizações centradas na Ásia que virão a constituir o próximo edifício internacional. E Pepe tratou desse edifício, da futura junção da SCO (Shangai Cooperation Organization) com os BRICS, mas sem fazer uma digressão sobre o que seria salvo das instituições da atual ordem, que era a minha curiosidade. Mas a pergunta foi outra: o que movia a curiosidade de boa parte das pessoas na palestra era a obscura história de um F-35. E o fantasma que as assombrava… bem, eu não vou entrar no mérito das mulas sem cabeça que assombram nosso campo democrático em sua reedição da eterna vigilância pela liberdade.

Semanas atrás, 1º de abril, não satisfeito com suas violações da Convenção de Genebra, Israel resolveu acrescentar uma da Convenção de Viena. Bombardeou o Consulado Iraniano em Damasco a pretexto de matar algumas lideranças da Guarda Revolucionária Iraniana. Uns dias depois o Equador resolveu invadir a embaixada mexicana para capturar um ex-vice-presidente lá buscando asilo. Janelas quebradas da ordem internacional, os EUA em silêncio ante a ambos.

Em 13 de abril, o Irã respondeu. Enquanto os drones voavam eu conversava (por quase quatro horas) com um par de amigos sobre o ataque em curso. Minha hipótese de alvo durante a discussão se verificou: a base aérea de armas nucleares israelenses. Duas bases aéreas e uma obscura base de espionagem em Golan foram os alvos dos mísseis.

Minha leitura do ataque, passadas semanas:

– Tanto os drones, que são bastante lentos e, portanto, levaram algumas horas viajando do Irã para Israel, quanto os subsónicos mísseis de cruzeiro, que também levaram muito tempo, estavam ali para serem abatidos. Não como um ataque da saturação, quando você manda um monte na esperança de que alguns irão passar pelas defesas. Não: eles foram lançados para gastar os mísseis e aviões usados na defesa de Israel. Um drone desses custa algo na casa das dezenas de milhares de dólares; um míssil ar-ar de um caça da OTAN custa centenas de milhares de dólares. E este é um dos problemas americanos: seus aviões e soluções são caros, feitos para enfrentar equipamento semelhante – e não uma horda de baixo custo. Super Tucanos, a versão de ataque do avião de treino da Embraer, seriam perfeitos para abater esses drones, que são lentos. O exemplo que dei conversando com meus amigos foi o de que os Shahed 136 (o Geran-2 russo), com motor a pistão, eram como uma ofensiva de Sopwith Camels (o principal avião britânico ao final da Grande Guerra). Basicamente, a velocidade é a mesma, em torno de 185 km/h. Ao que parece foram utilizados os Shahed 238, com turbina, um pouco mais velozes.

– Os mísseis que importavam passaram incólumes. E aqui divirjo de quem interpreta que o restante do ataque serviu para fazer o que seria 1% de mísseis passar. Não acredite, leitora, na história da carochinha que mísseis hipersônicos foram derrubados por Patriots na Ucrânia. Isso é mais uma mentira, uma peça de propaganda de guerra sem a qual a compra de armas desse tipo fica comprometida. Não há forma de a OTAN (e de Israel por tabela) parar esses mísseis no momento.

– O ataque foi extremamente preciso do ponto de vista legal: uma retaliação contra as bases de onde teria partido o ataque ao consulado. Some a isso o feito estratégico de fazer a OTAN (EUA, Reino Unido, França, além de Israel, cuja munição vem deles) gastar mais de um bilhão de dólares em mísseis – mísseis que são usados para confrontar os Houthis no Mar Vermelho, o Hisbolá no sul do Líbano, a guerra industrial russa na Ucrânia. Independente do preço em si, o Ocidente não tem como produzir a reposição desses mísseis nessa escala.

Em 19 de abril, Israel atacou o Irã. Um lugar onde ficariam importantes instalações nucleares iranianas. Ninguém sabe, ninguém de fato viu. E aí entra a mirabolante (o que não quer dizer necessariamente falsa, no todo ou em parte, por pensamentos e palavras, atos e omissões) história do Pepe, no dia seguinte, no Telegram e no Twitter. Para você que provavelmente não viu a história na sua TV, no seu jornal: Israel mandou um F-35 com uma arma atômica especial para atacar o Irã. Este F-35 foi derrubado pelos russos ao deixar o espaço aéreo jordaniano. Essa arma atômica, explodindo em grande altitude, causaria um pulso eletromagnético que destruiria com grande parte de tudo o que é eletrônico no Irã. Telefones celulares, TVs, automóveis, computadores, caixas automáticos… em suma, tudo na vida moderna que tem um chip deixaria de existir de uma hora para outra. Como bombeamento de água, por exemplo.

É possível? Sim. O governo de Israel seria capaz de realizar algo tão drástico? Sim. E como isso foi impedido?

Numa das perguntas na palestra alguém falou de Doutor Fantástico. Ótima comédia, formidável filme. Só que há outro filme próximo, Fail Safe, também de 1964 (e refilmado em 2000), que trata do assunto. Da guerra nuclear acidental e dos compromissos para impedi-la. Pergunte-se, leitora: interessaria aos EUA, neste momento em que são voto solitário no Conselho de Segurança, ter o terceiro uso de uma bomba atômica sob sua responsabilidade? O que eles fariam para evitar isso?

A história do Pepe faz mais sentido do que a resposta de Israel ter sido apenas o que foi noticiado. Israel não deixaria barato um ataque desse tipo só porque “99%” dos mísseis foram derrubados. Israel tem uma reputação a zelar, uma história de não vacilar ante a ataques e ameaças. Para quem gosta dessa terminologia, é uma questão “de Estado” e não “de Governo”. Por outro lado, alguém realmente acha que haveria vestígios desse avião derrubado a serem apreendidos por algum ator na região que não os americanos? Alguém acha que os mísseis de longa distância que os russos têm, seja em aviões, seja nos sistemas antiaéreos na Síria, não seriam capazes de derrubar esse F-35, especialmente sabendo o que ele iria fazer? Alguém acha que sobraria algum pedaço de avião para contar a história?

Mas há alguns problemas técnicos adicionais nessa história. O maior deles, como me explicou o amigo que realmente entende do assunto®, é que o impacto da explosão não seria sentido só na superfície, mas também no espaço. Uma quantidade enorme de satélites na região e em áreas adjacentes deixaria de funcionar.

Por que teriam vazado para o Pepe? Possivelmente porque ele é um jornalista com credibilidade o suficiente para trazer as histórias mais extravagantes sem que se possa saber exatamente de onde elas partiram. Pepe é uma grande banca no bazar, histórias de toda Ásia ofertadas ali. Mas também é obscuro o bastante para que a história não chegue na imprensa sanitizada do Ocidente.

Para que teriam vazado para o Pepe? Talvez para queimar a possibilidade de que isso venha a ser tentado (se a história for falsa), ou venha a ser tentado de novo. Neste sentido, há uma contradição na acusação (feita pelo Pepe) de covardia dos governantes de países árabes em relação à questão de Gaza: há uma ameaça concreta de Israel escalar a guerra se sua existência se sentir ameaçada, há loucos o bastante no atual governo para realizá-la. Os Houthis, por mais que sejam um grande problema do ponto de vista econômico e político, são um problema de uma esfera bem menor e, são imunes a sanções. Medidas de boicote ou mesmo medidas militares por parte dos países árabes teriam respostas significativas e imprevisíveis. Além de serem inexequíveis: logística é um ponto pelo visto desconhecido das pessoas da plateia que propunham “ações”. E ninguém, em sã consciência, pode querer uma escalada nuclear começando nesse oeste da Ásia.

No mais, “tanto mar, tanto mar”, a revolução em Portugal faz o L hoje.

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