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Homessa, sanções!, por Paulo Moreira Franco

Paulo M. Franco – Economista aposentado do BNDES

“- Essa lei eu não conheço – disse K.
– Tanto pior para o senhor – disse o guarda.”
(Kafka)

E chegaram as sanções! Com uma boa dose de TACO (Trump Always Chicken Out), diriam as más línguas. Afinal, parte significativa de nossas exportações para os EUA ficou de fora. Eu diria que ele tentou não complicar a sua indústria automobilística, não colocar azeitona na empada de europeus (os concorrentes da Embraer, seja direta ou indiretamente, via Canadá), não afetar o suco de laranja do desjejum tradicional americano. As sanções, se quisermos observar dentro de um contexto estratégico maior, mostram que a preocupação conosco não é tão significativa assim. Aço brasileiro sobretaxado seria substituído por aço de outros países que são frenemies muito mais significativos, como os países da Ásia e os europeus. A mesma coisa com a Embraer, que quase virou Boeing por ser tão complementar ao mix de produtos desta. Já carne e café, bem, sequer são empresas americanas controlando o próprio mercado interno americano.

Mas o ponto importante a se reiterar é que a nossa exportação industrial mais importante, aquela onde somos a etapa final de uma cadeia produtiva que inclui os americanos como fornecedores, esta foi preservada. A Embraer, que depende dos EUA não só como mercado, mas como parceiro, ficou incólume. Medite sobre essa informação.

Você certamente já viu algumas vezes o “poema” do Niemöller (aqui tem uma boa história dele): “primeiro eles vieram buscar…”. Difícil não lembra disso com nossa Soberania® (by Carl Schmidt) sendo violada com as sanções sobre o agora Chandão, o Magnistkyco. Quando as sanções afetavam russos (esses nossos parceiros fundadores dos BRICS), ninguém estava nem aí para isso. Chineses? Muçulmanos? Tudo de boa. Mas usar isso contra nosso tão relevante Chandão, isso viola o espírito dessa lei. Mesmo os amigos de Deltan Dallagnol acham um absurdo esse uso da lei. Criada durante o governo Obama, o Magnitsky Act é uma daquelas barbaridades do establishment (neo)liberal americano se impondo como poder moral sobre a ordem mundial. É a Globalização, hoje em estado terminal, agindo em delírio megalomaníaco. Ela sempre foi uma barbaridade, o uso do controle americano sobre o dólar e suas instituições financeiras para criar dificuldades para países que não rezassem sob sua cartilha.

Mas é a lei americana e a diáspora brasileira da Flórida não é o conjunto mais progressista de pessoas (vide o desempenho do PT nas eleições presidenciais lá). O ministro das relações exteriores dos EUA é um ex-senador pela Flórida que achou (e ainda acha) que um dia será o candidato republicano a presidente. Digamos que é do interesse dele o apoio local de todo tipo de diáspora reacionária, não só os brasileiros. Ah, sim, “primeiro vieram buscar os chavistas…”

A grita pela nossa violada Soberania® é imensa. O que é, num certo sentido, engraçado. Sempre interpretei soberania nacional como o controle pelo país de seu aparato produtivo, suas relações exteriores, seu território, sua lei. Soberania violada para mim foi Lavrov não poder abastecer o avião para um voo até Brasília, coisa que aconteceu tem pouco mais de ano, sob o regime Biden e o governo Lula. Ou Putin não poder visitar o país pois qualquer juizinho de primeira instância poderia mandar prendê-lo, pois nosso direito se submete aos nossos acordos externos… quando interessa. Lembrando, em 2018 o inimigo era outro.

O ataque ao Magnístkyco Ministro Moraes, fora as picuinhas da pequena política da Flórida e a presença de Eduardo é um sintoma dessa pequenez – abre um espaço para peixes muito mais graúdos virem a ser alvo de sanções. Pegue, por exemplo, os burocratas que comandam a Europa e os medíocres políticos do extremo centro que legitimam seu governo. O sonho deles é impor um controle ideológico sobre as plataformas americanas (não esquecendo o tiktok nessa história), mas coisas como a investigação sendo feita pelos franceses para cima do X não são do agrado americano. Neste sentido, “sempre teremos Paris” coincide em com as empresas atacadas pelo próprio governo francês: Alexandre suspendeu por um tempo o X e o Telegram (cujo CEO, detido na França, acusou os franceses de pressionarem por uma intervenção na eleição romena), e o Rumble, lá como cá, banido. Como escreveu Ian Fleming, “Once is happenstance. Twice is coincidence. Three times is enemy action”. As ações de nosso Judiciário não são tão isoladas assim, mas alinhadas com uma série de atores de fora num momento em que um conflito acontece.

E antes de qualquer chilique maior que possamos ter em relação a esse transtorno que o pobre ministro Moraes terá, há que se olhar o quadro todo desse edifício de ordem internacional que desaba. A Europa, onde fica Paris, com a qual nosso governo anseia um acordo que fere, segundo a opinião que julgo muito qualificada do Paulo Nogueira Batista, nossa soberania e nossas perspectivas de desenvolvimento, fez uma rendição moderada às pressões de Trump.

Por exemplo: os EUA estão/estarão numa guerra contra a China, certo? Taiwan, certo? Então por que os EUA impediram o presidente de Taiwan de passar por lá em viagem para lugares que o reconhecem, como o Paraguai? Ou a lei de sanções contra a Rússia que o Congresso americano quer passar, que nossos senadores que lá foram acham que vai nos causar muito mais problemas que as sanções atuais, que crescentemente são vistas como inúteis, mas mesmo assim é a forma do Congresso impor sua vontade ao presidente (qualquer semelhança com outro país no hemisfério sul…). O lance é que o mundo multipolar que se anuncia, com os EUA tendo que negociar com as outras potências e reenquadrando os países do seu espaço de poder, é muito mais complexo, muito mais complicado, pois o esgotamento do modelo econômico neoliberal e do modelo político (neo)liberal é um daqueles fenômenos que Gramsci falava onde os Kaijus saem dos mares.

Mas voltando ao caso do nosso ministro, há um interessante problema moral para discutirmos sobre uma sanção que, basicamente, complica a vida de uma pessoa: a criança de Omelas, da Ursula Le Guin. Como devemos reagir à violação de Soberania® que, no fundo, é transtorno para um só? Num momento em que o ministro Barroso, num acesso de utilitarismo perpassando sua visão iluminista, reconhece que bloquear três perfis é um preço muito baixo por democracia, será Moraes outra criança a ser violada pela nossa estabilidade? Ou ficamos só com Filipe Martins no porão? Bolsonaro… esse é só uma distração, sempre foi. Uma carta na mão do mágico, um personagem de luta livre como Hulk Hogan, apoiador de Trump, ferramenta da vingança de Thiel, morto uma semana atrás. Trump gosta muito de luta livre, e talvez daí sua simpatia para com essa fraude chamada Jair. Que está de tornozeleira, que chora, que se enquadra tão merecidamente com seus manifestantes.

No mais, se você, leitora, quiser uma discussão alternativa sobre o caso Magnitsky, esse link do John Helmer explica bastante coisa. Pessoalmente, só para deixar bem claro, acho essa lei um absurdo. Mas falando nisso, você já ouviu falar no “Hague Invasion Act”? Pois ele ainda existe, e pode vir a ser expandido em sua interpretação.

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