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69, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco
Aposentado do BNDES

“Quem dera pudesse

A dor que entristece, fazer compreender

Os fracos de alma, sem paz e sem calma

Ajudasse a ver

Que a vida é bela

E só nos resta viver”

(Ro Ro)

O certo mesmo era eu estar continuando com a discussão da palestra do Rodrik. Juro, volto a isso em breve. Mas ontem, no início da noite, num basicamente inofensivo grupo de WhatsApp de que faço parte, chega a notícia de que o Charlie Kirk, um relevante ativista MAGA, tinha sido assassinado num evento público. E aí… “Events, my dear boy, events”.

Farei uma hipótese meio maluca: simbolicamente, estamos em 69, a continuação do ano que não acabou, 68. No Brasil busca-se a revanche. Nos EUA, meio que uma retomada. Sendo o dia 11 de setembro, dia marcado pela história no continente americano, convido-a a essa digressão, amiga leitora.

Julga-se Jair em Brasília. Não vou entrar aqui no mérito se o turismo de baderna executado em Brasília no “oito de janeiro” foi, de fato, uma tentativa de golpe. No fundo, isso não importa. O julgamento de Jair não é o julgamento de um ato específico, coordenado. O julgamento de Jair e seus golpistas é o julgamento da camiseta celebrando o Ustra e a tortura, do regime militar aclamado por seus seguidores acampados em frente a quartéis, aclamado não pelos seus sucessos (fácil de onde estamos celebrar o general Park; um pouco mais controverso é reconhecer o desenvolvimento dos dois governos para os quais Marcos Vianna trabalhou na presidência do BNDE), mas pela sua barbárie. O julgamento é o grito Ditadura Nunca Mais sendo reiterado de forma clara, inconteste.

Mas não que não haja algum mérito numa coisa ou noutra da interminável defesa que o ministro Fux fez em seu voto. Acho que ele gastou ali todo o garantismo que acumulou ao longo da vida, garantismo que ele nunca usara antes. Como brilhantemente pede o Mateus Holmo no X/Twitter, “Toda solidariedade à secretária responsável pela ata do STF”. Esta sim, coitada, vai ter o trabalho de colocar no potinho a geleia jurídica de Fux.

O que não muda, concretamente, nada. O julgamento está dado, escrito nas estrelas, a foice e a fé turvando a cabeça de Jair neste momento, configuração a ser vivida por ele de forma tão intensa. Jair é um frango de macumba atropelado com alguidar de farofa e leite condensado, bode expiatório com sua buchada made in Albert Einstein.

11 de setembro de 1973, América do Sul: o golpe se deu no Chile, uma sangrenta ditadura foi instalada. Jair encenando a presidência fez seus elogios a essa ditadura, uma de suas constantes, caricatas celebrações da barbárie, do grotesco. Por ela, pelo golpe tal como decorreu com o AI-5, pela nossa segurança de que isso nunca volte a ocorrer, Justiça será feita. Justiça sendo necessária um justiçamento será realizado.

Pessoalmente, 8/1 não me incomoda. 17/4 me incomoda. 17/4 foi a reedição de 1964, o golpe civil-militar. O golpe que se dá com apoio institucional, “com o Supremo, com tudo”. Quando a história vira mito, quando o alvo é o Mito, os fatos pouco importam. E sequer aprendemos com isso, satisfeitos que ficamos com a catarse.

Duas dúzias de anos depois, muita rediscussão deveria estar acontecendo hoje nos EUA sobre seu evento trágico deste século, o atentado de 11 de setembro. Tucker Carlson, por exemplo, vai começar uma série sobre o 9-11 hoje. Um pouco do que ela vai tratar pode ser visto nessa entrevista. Mas isso sai do ciclo de notícias com o assassinato do Charlie Kirk.

Por que esse atentado, por que nesse momento?

A primeira coisa a reconhecer é que não foi uma operação “amadora”, algum estudante revoltado dando cabo de um dos principais ativistas da direita contemporânea americana (o link é da wikipedia, que, como veremos adiante, não é propriamente uma organização neutra). Não que tenha sido um tiro tão complicado assim para alguém com prática nesse tipo de tiro (caçadores, por exemplo). Não que ter esse tipo de treino não seja fácil nos EUA (embora um pouco raro entre os estudantes de esquerda que seriam o primeiro grupo que se pensaria como autores). Mas a forma rápida como o autor do disparo o fez e fugiu sugere um certo profissionalismo, possivelmente algum suporte na operação.

Por que Charlie Kirk? Bem, Charlie Kirk foi muito relevante de uns dias para cá. Relevante por martelar um assassinato sobre o qual a mídia sentou em cima. Iryna Zarutska era uma refugiada ucraniana de 23 anos, pegando um trem voltando de seu trabalho numa pizzaria, quando foi gratuitamente assassinada por um cara com 14 passagens pela polícia. Feminicídio, praticado por um doente mental. A própria wikipedia tentou fazer disso uma não notícia. Como a imprensa. Mas se há uma coisa que mudou decisivamente com a compra do Twitter por Musk é que a supressão de notícias pela MSM acabou. E por alguns dias o vídeo do assassinato circulou, na versão editada até o instante antes do ataque (o vídeo todo é ainda mais cruel, com a indiferença das pessoas ao redor no trem com o acontecido). A imprensa, que suprimiu a notícia no início, depois a tratou como o problema sendo a sua utilização pela direita – e não o crime em si. E uma dessas histórias, no que provavelmente é uma infeliz coincidência, é um ataque na CNN a Charlie Kirk.

Quem matou? Se há algo do qual sabemos muito pouco é sobre o garoto que deu o tiro em Trump. Um dos problemas de crimes reais é que envolvem pessoas reais. Tipo o caso Epstein, com pessoas tão reais que até um príncipe britânico estava envolvido. Como caso de Bolsonaro, sendo julgado pela tabajaresca tentativa de golpe, e não pelos desmandos e pilhagem conduzida no seu governo. Ir atrás disso envolveria muita gente que foi das Forças Armadas recebendo hoje visitas a mando do TCU (como o foram as pessoas do BNDES durante o governo golpista de Temer), muita investigação de interesses da Faria Lima recebendo patrimônio de mão beijada. Eu preferia vê-lo condenado por isso, não pelo desejo de simbolicamente viajarmos no tempo e derrotarmos a ditadura militar.

As tentativas de assassinato de Trump, o assassinato de Kirk, com seus elementos de suspeita sobre envolvimento de deep state, são um retorno a um 68 americano ainda mal explicado, às mortes de Robert Kennedy e MLK, às mortes anteriores de JFK e Malcolm X, a uma eliminação pela violência de atores que são desagradáveis a um establishment, não mais exatamente aquele, mas não tão diferente assim. Saca o personagem de Johnny Depp em Era uma vez no México, o agente da CIA que está ali para manter o equilíbrio das coisas?

Mas posso estar errado quanto a esse retorno, e morte de Kirk ter sido apenas uma grande ação de distração, ele apenas a vítima de oportunidade no caminho dos jardins que se bifurcam. Quão maior o silêncio, mais ensurdecedor o crime, mais relevante quem o fez.

69 anos estaria fazendo hoje minha primeira grande amiga no Banco, Zafira. Um câncer, silencioso, levando provavelmente a mais jovem de sua geração de adestrandos, antes que ela pudesse se aposentar e viver na praia. Ela estaria se divertindo horrores com esse julgamento de Jair, ela que tinha em sua mesa um coelhinho estufado de pano, qual Mônica, entre o azul e o lilás, com uma estrelinha vermelha do PT. Saudades.

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