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Apocalypto no Alemão, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“Police and thieves in the street (Oh, yeah)
Scaring the nation with their guns and ammunitions”
(Junior Murvin)

A Rua do Riachuelo vazia num vídeo no status de WhatsApp de um amigo. Foi assim que tomei notícia da dimensão de fato da operação que ocorrera, sobre a qual tinha lido algo no X uma hora e meia antes. O que parecia como uma megaoperação de polícia ostentação, Castro tentando ser lembrado num momento em que tudo converge para uma grande coalizão em torno de Paes, era muito maior do que eu pensava. Muito mais sombria.

Uma operação militar, o sentido mais arcaico do termo. A polícia invade a favela. O pessoal do tráfico foge para a floresta. A elite da tropa está lá, esperando para matar o desorganizado “exército” que recuou. Mas você pode chamar de chacina, se quiser. É mais preciso. O BOPE não estava ali para fazer uma Operação Lei Seca no meio do mato.

O pastor-deputado Otoni de Paula, MDB-RJ, faz uma acusação de que quatro inocentes membros de sua igreja foram mortos. Não fica claro no discurso se a morte de traficantes em si seria justificável. Ao menos um caso me foi contado por uma conhecida: um pai de família não jovem (viúvo, quatro filhos, dos 18 aos 11, sendo que o de 18 com deficiências mentais, o que fará o peso cair sobre a filha de 16 anos), indo trabalhar, morto e com seu equipamento de trabalho roubado, disseram as pessoas que por policiais. Mas voltando ao MDB, é engraçado ver um senador do mesmo partido falando da “mexicanização” do Brasil, entendendo por isso essa presença do crime organizado no Estado. É engraçado, pois, em 2010, quando Bolivar Lamounier usou o termo tentando criar mais um medo (a moda de Regina Duarte) sobre a aliança do PT com o PMDB (a chapa Dilma-Temer), que tenderia a se perpetuar por décadas (se não fosse travada em algum momento…), como o PRI no México, a atual coalizão governamental era o problema da mexicanização. Mas, sim, mexicanização há nesse processo: na falta de pirâmides, Cláudio Castro usa os morros para seus sacrifícios humanos, Apocalypto no Alemão.

Se você, amiga leitora, quiser uma boa discussão contextualizando a operação, o artigo da minha amiga Jacqueline Muniz está impecável. Acho que o mais claro, mais preciso artigo que ela escreveu nesta década… e ela escreveu muitos e bons, como esse sobre a PEC da Segurança, por exemplo.

O pouco que vou escrever é uma digressão fora do que está no artigo da Jacque, uma coisa ou outra que, como pessoa politicamente preocupada com este tema tem três décadas, faz parte do meu entendimento de hoje. Por que três décadas? Porque até a estabilização que aconteceu em 1994, o tema econômico (como o do desemprego) era o crítico. Segurança nessa época era o que eu entendia como um issue “goleiro”: um goleiro é capaz de fazer você perder uma partida, mas você depende de alguém que marque ao menos um gol para ganhar. Qual seja: um assunto no qual seu posicionamento basicamente só vai fazer perder votos. Para ganhar votos é necessária uma agenda positiva. Com a contradição principal da inflação resolvida, outras passam ao protagonismo. E segurança urbana é uma dessas pautas que buscam o protagonismo. Não é minha pauta principal, mas é de muita gente nesta cidade, neste país. E ela não é, no fundo, uma pauta social travestida de uma solução, como parte significativa da esquerda quer crer. Ela tem uma especificidade que não se resolve com políticas sociais. Mas vamos aos meus fragmentos:

Primeiro: na segunda-feira saiu uma matéria no Político.eu sobre uma carta anônima de um juiz que dizia que a Bélgica estava se tornando um narcoestado. A Bélgica, verdadeira terra da cerveja e do chocolate, de grandes e temíveis goleiros, terra onde fica a capital da União Europeia. Corrupção, lavagem de dinheiro impactando mercado imobiliário, violência – o pacote todo está presente. Do outro lado do canal, fica cada vez mais claro que o governo/civil service negligenciou um crime que atingia jovens pobres, em sua maioria brancos, para não comprometer suas relações políticas com os establishments de comunidades imigrantes (paquistaneses, no caso).

Não é problema só do Brasil, ou das Américas. O Estado no Ocidente neoliberal está profundamente minado pelo envolvimento do crime com seu funcionamento cotidiano. Como chegou-se até aqui? Hummm… esse é um ninho de marimbondo que não vou futucar agora. Mas pensa nisso, amiga.

Segundo: tanto a forma como a esquerda quanto a que o extremo-centro tratam o problema de segurança servem para que algumas direitas se beneficiem politicamente do issue (e perdoe aqui novamente, querida leitora, esse meu debochado anglicismo). A maioria das pessoas de esquerda com quem converso acha que o problema é uma decorrência de pobreza e desigualdade (em extremo-centrês, isso também existe e se chama falta de “oportunidade”). Não, não é. Havia bem mais pobreza e desigualdade meio século atrás e o problema era menor. Essa é uma desculpa continuada de quem faz sua sociologia a partir de seu sentimento de culpa em relação à sua posição de classe. Por outro lado, o extremo-centro faz cara de paisagem (e de nojinho) para um problema que pouco afeta sua existência (a cidade paralisada não é a do eleitorado tucano raiz). A direita se beneficia na ilusão de que a mula, tendo servido em várias campanhas, possa virar um general. Não, não pode (poderia fazer uma piada ex-presidencial aqui, mas sequer uma única coroa dourada raiada as estrelas da insígnia do cara têm). A experiência, por mais que se considere um sucesso, de um “Nascimento” da vida, torna ele tão apto a conceber uma política estratégica quanto ter sido um craque torna a pessoa apta a ser um grande técnico. Mas é uma grande forma de eleger deputados com os votos dos que consideram o issue como crítico (sem entrar na seara do que está no artigo da Jacque).

Terceiro: em se tratando do Rio de Janeiro, há que se perguntar por que (quase) sempre o Comando Vermelho. Lembra do episódio do helicóptero derrubado no Morro dos Macacos em 2009? Uma favela sob controle da ADA, única presença não-do-CV na região, foi invadida por pessoal do CV. Nesse momento a polícia agiu desesperadamente para “garantir” a segurança dos moradores da favela. Entre eles, claro, a ocupação do ADA. Qualquer semelhança com os ataques americanos à Síria não é mera semelhança. Ataques seletivos a uma parte do problema são, muitas vezes, forma de criar espaço para outras partes do problema florescerem. A “Milícia”, por exemplo. O fato é que, ao contrário da Milícia, da ADA etc. (no povo do Peixão não vai nada?), o CV é, pelo visto, o inimigo histórico da PM carioca. Tome isso como um sintoma a observar nas notícias.

Quarto: não é só uma questão de corrupção do aparato de Estado, da tomada de atribuições de regulação e taxação de uso de solo urbano que deveriam ser atribuição dos entes subnacionais município e estado/Distrito Federal. Quando o crime, em função de algo que acontece no Alemão, para uma via do Centro do Rio de Janeiro, não estamos falando mais de uma ação de revolta da comunidade. Estamos falando de uma ação coordenada de “ativismo”, para usar um termo gentil. Usar o termo “terrorismo”, como se visasse a abolição/tomada do Estado, é exagerado. Achar que não é uma ação política de um grupo que age no sentido de provocar um “amolecimento” do Estado, é inocência. Há um meio do caminho a ser buscado, e isso envolve não só o campo do Direito como as Ciências Sociais. Por enquanto o diálogo entre esses campos está majoritariamente tomado pelas fantasias narcísicas/utópicas de cada um dos campos, especialmente entre as pessoas que não se debruçaram sobre o problema em si.

E não esquece de ler o artigo da Jacqueline.

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