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As aventuras de um benedense na Amazônia, por Nelson Tucci

A região Amazônica sempre foi um imenso território cercado de mistérios e lendas, que intriga e atrai desde curiosos até pesquisadores em busca de suas riquezas perdidas, como o famoso El Dorado ou, mais recentemente, o ouro negro, que teima em fazer parte de nossas vidas. Em busca desses mistérios, a minha paixão pela gigantesca bacia amazônica existe há mais de uma década, levando-me a cruzar o imenso rio Amazonas e seus afluente diversas vezes, uma vez que os rios são as estradas da Amazônia e, nas beiradas dos seus barrancos, reina, fervilhante, a vida dos habitantes ribeirinhos, que sobrevivem dependentes das graças trazidas pelo incessante ir e vir das águas.

A Amazônia sempre me atraiu, tanto pelos seus encantos quanto pelos mistérios ocultos. Seu clima hostil, ao contrário, afasta muitos forasteiros e incomoda os visitantes temporãos, que se confundem quando o nativo diz que, quando no Sul é inverno, lá é verão e vice-versa. É simples de se entender, uma vez que lá só existem duas estações no ano: o verão, quando chove todo dia, e o inverno, quando  chove o dia todo. E calor o ano inteiro. Mas a tradicional chuvarada das três agora só existe mesmo no folclore, quando se marcava compromissos antes ou depois da chuva. Agora pode chover a qualquer hora, ou mesmo estiar no inverno. Efeito das mudanças climáticas.

Minhas incursões na região já vêm de longa data. Cada vez que retorno de lá venho com a mala cheia de comidas típicas e a mente cheia de lembranças. Como é bom se refrescar em um dia quente, tomando banho de igarapé geladinho, às sombras das palmeiras de açaí. É uma mania local, visto que igarapé é um riacho que aflora de mina, caminhando serpenteante pela mata adentro até um ponto de remanso, onde se pode mergulhar e deixar a alma ser lavada, e depois se encostar numa rede preguiçosa para se deitar.

Entre as muitas viagens que fiz por lá, uma foi coisa de aventureiro. O caso do cemitério clandestino de balsas foi outra operação curiosa, mas fica para uma outra ocasião. Nesse dia, por volta do ano de 2007, estávamos levantando dados de embarcações financiadas pelo Banco. Em geral, seguiam o modelo binomial dos mais utilizados na região para o transporte de muita carga: o empurrador-balsa(s), cuja estrada era o pujante rio Madeira. Este rio barrento banha desde Porto Velho até a confluência com o Amazonas, viajando cerca de mil quilômetros, cortando uma selva densa, ainda pouco explorada, exceto pelos povoados de Humaitá, Apuí, Maniconé e outros poucos povoados ao longo do rio, principalmente próximos à rodovia Transamazônica.

De volta à história narrada, decidimos, para chegar até as embarcações procuradas, que estavam amarradas (apoitadas) em boias do outro lado do rio, tomar uma voadeira de carona. Voadeira é outro nome típico regional, que significa um barco de alumínio com motor de popa, bem ligeiro. O hábil barqueiro era apelidado de Ceará pela sua origem. Como muitos nordestinos vieram povoar a região Norte, se locomovendo desde a década de 1970 pela recém-iniciada rodovia Transamazônica, que até agora ainda não foi concluída (para o bem da preservação da floresta), este prendado peregrino saído do agreste aprendeu a sobreviver aproveitando tudo o que os rios amazônicos propiciavam. Assim, embarcamos todos: eu, o meu parceiro de viajem benedense e o Ceará, que solicitou a um funcionário da empresa para que providenciasse o combustível para a curta viagem. Retornou com um galão semicheio, que foi despejado no tanque do motor. Assim, partimos e zarpamos rio abaixo, cortando as águas barrentas do rio que leva este nome pela quantidade de toras de madeira que a correnteza arrancava dos barrancos e arrastava rio abaixo.  Um perigo para as embarcações, que podem se chocar e danificar os cascos e motores. Mas apesar do calor escaldante, a viagem estava agradável, todos contemplando a paisagem e sentindo os respingos mornos de água que o barco levantava e o vento borrifava em nossos rostos. Tudo era novidade bem apreciada, até que ouvimos um barulho atípico vindo do motor, bem diferente do ronronar constante e monótono. Inesperadamente o engenho náutico começou a engasgar, ratear, fumegou e, por fim, morreu.

– O que aconteceu? – indaguei, surpreso, ao Ceará.

– Não faço a mínima ideia – respondeu. – Vou verificar.

Estávamos todos parados. Ceará tentou dar a partida uma vez, duas, três e nada. Refeito da desagradável surpresa, sacou uma chave de fenda da sacola de ferramentas e começou a desmontar o motor defeituoso. O tanque estava cheio, o acelerador funcionava perfeitamente e a vela era nova. Mas… ôpa! Vela encharcada, né?! De… óleo diesel!

– Mas como? – perguntei inocentemente. Não está certo?

– Não, chefia, o motor funciona só com gasolina. Não é flex, não.

– Ah, entendo. Mas e agora, o que vamos fazer?

O silêncio só era quebrado pelos gritos da mata: aves, macacos e porcos do mato entre outros. No meio do imenso rio Madeira, naquela época o celular ainda não havia chegado tão longe. Duas horas se passaram e nada além de água e troncos flutuantes que pareciam até com jacarés. Perguntei sobre o jacaré-açu, enorme réptil de quase seis metros de corpanzil que costumava atacar barcos pequenos e gente às margens do rio. Ceará me tranquilizou, dizendo que há tempo que não aparecia por ali. Ao menos havia o rádio dele, que tentava se comunicar com a base, já com a bateria baixa. Depois de muito insistir, finalmente conseguiu falar com alguém, que enviou uma outra lancha para nos resgatar daquela imensidão. O condutor da quarda costeira lançou um cabo para rebocar nosso barco desgovernado, que seguiu direto para a base. Logo pegamos outra voadeira, desta vez corretamente abastecida, para concluir a nossa tarefa designada.

Como não poderia deixar de acontecer, passado o susto e missão mais uma vez cumprida, no escritório da empresa todos rimos bastante do episódio, e até nos esquecemos de quem foi a ideia de trocar o combustível.

E nossas viagens sempre terminam no aeroporto, de malas prontas para o regresso, todos sentados em volta da mesa do café para brindar a mais uma aventura concluída, onde cada um conta o que viu do seu jeito de ver.

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