
“If I can make it there
I’d make it anywhere”
(Fred Ebb)
Embora pareça antiga, “New York, New York” é uma música dos anos 70, feita como tema de um bonito filme com Liza Minelli e Robert de Niro. Como, na versão de Frank Sinatra, ela virou uma música obrigatória em casamentos no Brasil em menos de duas décadas, sinceramente, não faço ideia. Essa é uma pergunta a se fazer a uma inteligência artificial quando elas tiverem substituído os antropólogos, algo que lá pela década de 2050 já deverá ter acontecido. Mas não é do futuro distante que trato aqui.
Um prefeito assumidamente socialista governará Nova Iorque, a cidade que é o centro financeiro do capitalismo global. Pode parecer uma surpresa, mas, realmente, é? É sobre isso, e sobre como pessoas como você, amiga leitora, elegeram Mamdani, que vou tentar falar agora.
Uma coisa a se entender sobre Mamdani é que ele é um deputado estadual eleito pelo Queens, uma das cinco regiões da cidade de Nova Iorque. Demograficamente, pode-se dizer que o Queens, sob o ponto de vista étnico, é a mais diversa das grandes cidades dos EUA. Junte a isso o que escrevi nesse artigo no fim de junho (e, portanto, este é um artigo mais curto que o usual), e acho que dá para fazer um bom quadro do personagem.
O que mudou de lá para cá? Quando escrevi o artigo achava que as elites democratas teriam um certo bom senso de não forçar o derrotado Cuomo como candidato alternativo, convergindo com a reeleição do prefeito negro como uma solução. Ledo engano da minha parte. Perde-se uma eleição, mas não se perde o controle. E Cuomo, assassino de velhinhos, assediador de mulheres, se tornou o nome convergente da tentativa de derrotar essa ameaça. Na reta final até Trump se juntou.
Na atual configuração da política americana, o problema central de Mamdani não é seu socialismo. Tirando a direita, o povo do dinheiro não está preocupado de fato com os cosplayers de socialismo dos democratas, os AOC e Sanders da vida. O problema não é, propriamente, ele ser muçulmano. Ele basicamente é um cara laico num partido que combate a ingerência de religião no Estado. O que de fato incomoda é que, para uma parte da classe de bilionários, Israel é o teste de fidelidade que eles impõem à política americana. Coisa muito difícil de se realizar num momento em que os crimes praticados em Gaza e, em menor escala, na Cisjordânia, são visíveis para o mundo. E num debate onde se perguntou qual o país que ele visitaria primeiro quando prefeito, onde todos disseram Israel, ele disse que preferia ficar em Nova Iorque resolvendo os problemas da cidade.
A perda de controle e do controle político desse subconjunto de bilionários é uma das questões políticas a complicar a política americana nos próximos anos. Por mais que Larry Ellison tenha assumido a missão de tomar a imprensa, seja a TV, seja o Tiktok, o prestígio de jornalistas/ativistas da direita que são America First, como Candace Owens e Tucker Carlson, principalmente entre os mais jovens, é uma força/sintoma dessa perda de controle. Há um realinhamento político geracional nos EUA que não se resume a esquerda-direita, mas vê certas atrocidades cometidas pelos EUA ou com apoio destes como problema.
E nisso vai residir um primeiro problema do governo de Mamdani. Ele vai resistir à pressão dos bilionários que financiaram a campanha contra ele, ou aceitará o convite deles para conversar? Essa conversa resultará em silêncio sobre o genocídio em curso? Em menor aumento de impostos? Um passo atrás nesses pontos pode queimar Mamdani ante ao eleitorado jovem, o eleitorado do futuro. O fracasso das experiências populistas de esquerda do Syriza e do Podemos foi, em boa parte, dos passos para trás que deram.
O que abre para o segundo problema: como implementar medidas interessantes, como ônibus gratuito e creches, numa cidade cuja centralidade financeira está num processo de “gradually, and then suddenly”? Há capacidade de passar essas legislações? Há como fazer isso com franca oposição do governo federal? Qual será a mobilização de seu eleitorado? (pequena observação de informantes locais: a diferença de aluguel entre um lugar próximo ou não a uma creche/jardim de infância está na base de 20 mil dólares/ano).
Sobre o eleitorado em si há um par de pontos que gostaria de observar de forma bem sucinta.
O primeiro, é que esta não é a primeira “surpresa desagradável” que uma metrópole da criative class comete elegendo um populista. O caso de Toronto e os irmãos Ford é paradigmático quanto a isso. No caso de Nova Iorque, a cidade para onde convergem pessoas que querem pertencer a essa classe, a grande maioria acaba sendo excluída, vegetando em setores de serviços na espera de que um dia a oportunidade se materialize. É essa quantidade de pessoas cuja qualificação de elite não encontra espaço para ser elite de fato que faz uma importante base de Mamdani. They couldn’t make it there, Mr. Sinatra. Now what?
O segundo ponto é o segundo sexo. Mamdani indicou uma equipe de transição cujo comando é composto exclusivamente por mulheres. O eleitorado jovem foi com Mamdani, o eleitorado feminino jovem votou esmagadoramente nele (mais de 80%). A própria nova primeira-dama tem algo de icônico em ser a primeira da geração Z. Esse corte de gênero do voto – e dos governos – é um dos pontos a ser explorado na política futura. E não falo de explorado como algo a ser estudado: crescentemente se verá um phishing buscando manipular as ansiedades e fantasmas desse eleitorado.
Tempos interessantes.
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