Skip to content Skip to footer

Paris, New York, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“There will be no safety zone! I can guarantee you the safety zone will be eliminated! Eradicated! You will all be extradited – to the land of no return! It’s a navigation to nowhere! If you think that’s going to be fun – you’ve got another thing coming! I may be a slime bucket, but, believe me, I know what the hell I’m talking about! I’m not crazy! And don’t say I didn’t warn you! I warned you! I warned all of you!.”

(Paris, Texas)

Nova Iorque. Estive três vezes lá. A mais recente, o casamento de uma brilhante brasileira católica, possuidora de green card, lá residindo faz anos, com um adorável judeu local. Mercado financeiro e construção civil, imigrante recente com as levas passadas. Nova Iorque é uma daquelas cidades onde o mundo todo passa por lá, está lá, se funde. No passado foi futuro, noutros Gotham foi a perdição, hoje… Um dos metrôs que peguei, com suas paredes revestidas de uma fórmica castanha meio que querendo ser madeira, remetia a uma repartição de INPS de algum momento dos oitenta. Pessoas no vai e vem de trabalho, estudantes adolescentes falando alto, razoavelmente tranquilo o metrô naqueles horários onde o sol estava lá fora quando o peguei. As ruas também tranquilas, talvez um pouco menos opulentas do que a cidade dos anos Clinton, a cidade então claramente sede de um mundo globalizado onde Wall Street ditava o sucesso e a destruição de países e mercados. Talvez fosse essa a sensação de estar em Veneza em algum momento do século XVIII, não mais a cidade que dita o mundo, mas a cidade cosmopolita, ícone de um mundo que está deixando de ser.

Havia um pouco da campanha das primárias para prefeito de Nova Iorque acontecendo, processo que terminou neste domingo com um resultado, em certo sentido, surpreendente. Zohran Mamdani, filho de intelectuais imigrantes, ele mesmo nascido na África, no início dos noventa, quando sua mãe dirigia um filme. Mamdani é um deputado estadual da ala socialista do Partido Democrata.

Por que os democratas de Nova Iorque escolheram um filho de indianos, muçulmano e socialista como o pai dele, para seu candidato a prefeito?

A principal missão gastronômica que eu tinha em Nova Iorque nos cinco dias que passei por lá era comer uma das street foods que eu tinha visto no canal do Joshua Weissman. No dia de voltar conseguimos localizar um The Halal Guys perto de onde estávamos e, de fato, muito, muito bom! Dez ou onze dólares por uma boa refeição, frango e cordeiro sobre um arroz com algum tempero meio alaranjado, comidos no banco de concreto em frente a um prédio de escritórios. Glenn Greenwald, um novaiorquino que optou pelo Rio, destacou no seu X/Twitter um vídeo de Zohran explicando porque questões de burocracia municipal fazem a marmita de frango custe dez dólares e não oito. E esse tipo de detalhe talvez explique melhor do que qualquer outra coisa, melhor do que um resumo de suas propostas mais controversas, que envolvem desde uma rede estatal de supermercados até prender Netanyahu quando este for a Nova Iorque. Zohran não está propondo performar (até porque o marido da Beyoncé é de Nova Iorque e eles têm um belo imóvel na cidade), mas governar, e essas propostas, embora anátema para quem entende que todos os problemas devem ser resolvidos pelo setor privado, são, de fato, propostas de quem vê a cidade sob o ponto de vista de seus habitantes – e não de seus negócios. E alguém que, depois da surpreendente votação de Trump em Nova Iorque, ao invés de espairecer em Paris, foi entender o que esses eleitores demandavam.

Quem é a cidade de Nova Iorque neste momento em que uma revolução acontece nos EUA? É uma cidade que vive de serviços, cuja população é mais instruída, cujo metro quadrado é quase proibitivo. O que quer dizer que os parâmetros de se considerar os preços e salários de Nova Iorque não são os mesmos do resto dos EUA. Ah, acrescente que um terço da cidade é de imigrantes. (amiga leitora, se quiser explorar um pouco da demografia da cidade, aqui é um bom sítio, como se diz lá em Portugal). Você vai ver gente da direita dizendo que Zohran ganhou nos lugares mais ricos, ou mais brancos. O que é um recorte cretino que não reflete o que é a Nova Iorque mediana. O que é uma renda de classe média alta no restante dos EUA, nas grandes e densas metrópoles, como São Francisco e Nova Iorque, é a possibilidade de um padrão de classe média apertado, morando num imóvel pequeno e caro.

O principal derrotado, Andrew Cuomo, é um ex-governador do estado que foi derrubado num escândalo sexual. Assim como Palocci no caso do caseiro e da violação de sigilo, ele não deveria ter sido derrubado pelo escândalo sexual, mas por algo muito mais criminoso: sua condução da Covid, na qual uma política para reduzir custos de asilos de velhinhos levou à morte de milhares destes. Isso ficou encoberto por boa parte da imprensa (lá como cá a imprensa serve para acobertar os crimes do extremo centro), e agora ele retornou… e foi derrotado. Votaram nele os mais ricos, os mais pobres, os mais velhos.

(se você, amiga leitora, quiser ver uma explicação numericamente bem apresentada do argumento que expus até aqui, vá nesta thread, que está muito, muito boa)

Contra quem ele irá disputar? Obviamente há um candidato republicano. No caso, literalmente um “miliciano”: Curtis Sliwa é o fundador dos Guardian Angels, um grupo de cidadãos que tomam para si o dever de proteger a sociedade do crime. Uma década atrás eles apareceram nestas terras, não sei se ainda existem, se vão além de um ridículo cosplay. Adoraria ver o sargento tenente major Peçanha encontrando com um desses caras.

O candidato sério, no entanto, é o atual prefeito, Eric Adams. A piada que eu fiz com minha filha na época em que ele foi eleito é que uma versão hétero e vegana do Capitão Holt de Brooklyn 99 tinha virado prefeito. Correu por fora, com as elites políticas e intelectuais da cidade tendo outra candidata como preferida. Claro que, na vida real, os personagens não são tão bonitinhos, tão livre de escândalos, e escândalos houve com ele, até porque ele não era um queridinho do establishment democrata do Regime Biden. Adams não concorreu na primárias democratas: se lançou como independente para a eleição. Ah, o “miliciano” também foi o adversário dele na outra eleição.

O cenário que se coloca para as elites democratas é o seguinte: um candidato socialista, com pautas socialistas de governo, que não passa pano para o genocídio em Gaza; um prefeito que eles abandonaram, à direita dos discursos que os democratas andaram (e andam) fazendo (ele é contra a leniência dos democratas quanto aos imigrantes ilegais). Nenhuma uma boa situação e, no fundo, um sintoma desse momento da revolução.

Zohran é sintoma de que a professional-managerial class, a classe de profissionais credenciados que exerce a vida econômica de Nova Iorque, se rebelou contra os chiboletes dos detentores de capital. É uma das trilhas que a revolução americana pode tomar, além da revolta populista da pequena-burguesia em coalizão com o proletariado. Diferentes trilhas, diferentes lugares, diferentes elites a serem degoladas, não se sabe quais.

……………………………………………………………………………………………….

► As opiniões emitidas nos artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da AFBNDES ou do BNDES.

Associação dos
Funcionários do BNDES

Av. República do Chile, 100 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20031-170

E-mail: afbndes@afbndes.org.br | Telefone: 0800 232 6337

Av. República do Chile 100, subsolo 1, Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20031-917
E-mail: afbndes@afbndes.org.br
Telefone: 0800 232 6337

© 2025. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por: AFBNDES

×