“Alguma coisa acontece no meu coração/Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João” – Caetano Veloso
Convidado para palestrar em um seminário, retorno brevemente a São Paulo, que já não visitava há algum tempo. Nessas ocasiões, refluem memórias de tantas e antigas viagens a Sampa Benedense, que naquela época recebia um enorme % dos financiamentos do Banco, o que produzia um constante fluxo de viagens de grupos de análise e acompanhamento.
Na decolagem do Santos Dumont não pude deixar de recordar o saudoso colega Arino Ramos Ferreira. Naquele distante 1973, dessa mesma pista decolou um Samurai da Ponte Aérea Rio-São Paulo, projetando-se ao mar pouco depois de alçar voo. A baixa altitude minimizou o impacto sobre o espelho d’agua, com a aeronave ainda flutuando algum tempo, mas lamentavelmente nosso colega Arino, contador, foi um dos cinco que não sobreviveram.
Nao cheguei a conhecer Arino, eis que seria admitido no Banco apenas em 1975, dois anos mais tarde portanto. Seu nome foi dado ao auditório da antiga sede na Avenida Rio Branco 53, sendo em 1982 a placa trazida para o Edserj, nomeando o nosso grande auditório In Memoriam do colega Arino.
A história não-oficial do Banco, contada por nós mesmos, registra que a qualquer momento sempre havia pessoal do BNDES hospedado no Ca’d’Oro, não só porque São Paulo representava na época quase 80-90% dos financiamento do Banco, como também por ser um hotel tradicional, aconchegante e bem localizado. Outro atrativo era a proximidade com a famosa Cantina Famiglia Mancini, na Avanhandava, uma das melhores cantinas italianas de São Paulo. Os preços naquela época ainda eram mais acessíveis. Às vezes íamos também na Cantina d’Amico Piolin, essa mais em conta, já extinta.
Sempre havia vários colegas na recepção ao final do dia após o trabalho, quando íamos em grupo jantar na cantina. Além disso, São Paulo ainda não tinha tantos flats e grandes hotéis como hoje. Cada apartamento do Ca’d’Oro era de tamanho e móveis diferentes, todos antigos, estilo chipandelle. Hotel assim hoje não existe mais, e na época já era meio raro. Anos depois ele foi demolido e em seu lugar construíram um prédio enorme, eclético e inodoro, sem graça nenhuma. Tambem é um hotel, com o mesmo nome. Na recepção, alguns móveis que sobraram. Às vezes passo por lá quando vou a São Paulo, recordando o colega Romero. Tempo alegre, encantador mesmo, quando, no começo da noite, grupos de benedenses se cruzavam na recepção ao sair para jantar.
As memórias vão e voltam… anos muito distantes, quando eu garoto ia de ônibus da Viação Cometa, ainda no tempo do bonde … gostava especialmente da Ipiranga com São João, a esquina famosa cantada por Caetano, onde me deliciava com as iguarias da Salada Paulista, em seus compridos balcões de mármore, e as portinhas que vendiam balinhas, amendoins…
Em 1996 o saudoso colega Luiz Lauro Romero era chefe do Departamento de Análise 5. Era casado, tinha três filhos e 50 anos de idade. Tinha sido admitido no Banco em 1974, onde trabalhou por 22 anos. O PT-MRK, Fokker 100 da TAM fazia o voo 402 que decolara de Congonhas com destino ao Santos Dumont, levando 96 pessoas a bordo. Entretanto, o último voo do Mike-Romeu-Kilo jamais chegaria ao seu destino.
Luiz Lauro Romero encontrava-se entre os passageiros deste curto voo, que terminou a apenas 1,5 km da pista. A tragédia chocou os benedenses pela perda do colega e tantos outros passageiros. Em missa que lotou a Igreja de Santo Antonio no Largo da Carioca, Romero foi homenageado por um grande número de colegas, ele que teria escapado, se o destino o tivesse permitido retornar de São Paulo um dia antes, com os demais colegas que com ele viajaram a serviço do Banco.
Na véspera do acidente, eu estava hospedado com o grupo de análise no Grande Hotel Ca’d’Oro, Rua Augusta. Ao retornar da visita de análise, pegamos as malas na recepção para retornar naquela mesma noite. Entretanto, Romero não foi conosco, preferiu pegar um voo no dia seguinte, que seria o fatídico 402 do Fokker da TAM, sem imaginar que naquela aeronave também embarcaria o Anjo da Morte, incumbido de cumprir a sentença divina. O Eterno quis assim. Quando uma criança nasce, seu destino já está traçado, e nada poderá mudá-lo, segundo acreditam alguns.
Chega a hora de voltar para casa. Deixo o antigo Braston, bem pertinho da movimentada Augusta onde outras vezes nos hospedamos. Só que os hotéis do centro de SP, outrora tão badalados, hoje são apenas uma sombra do passado glorioso, de salões resplandecentes e hóspedes para lá e para cá. Os bons hotéis ficam agora na região da Paulista, Jardins. O Braston mudou de nome, hoje é o Gran Villagio, do grupo Castelo de Itaipava. Consta ser um 4 estrelas, mas ninguém para ajudar com as malas, wi-fi só funciona na recepção, o cardápio se resume a uma massa… Saudades daquelas mesas enormes de café da manhã … e da Sampa Benedense.
Outros colegas também partiram prematuramente. Mais à frente vamos também lembrá-los. Alguns em missão do Banco, comprovando que mesmo em tempo de paz também somos Soldados do Desenvolvimento, sujeitos ao sacrifício da própria vida.
