VÍNCULO 1606 – A temática da prevenção e enfrentamento ao assédio e à discriminação na administração pública tem merecido pauta recorrente no âmbito normativo. As discussões vêm avançando bastante, a gama de ações propostas para o tratamento desses tipos de violências presentes nas relações de trabalho são as mais variadas possíveis. Contudo, uma pergunta emerge, temos avançado?
Responder a esta pergunta é uma questão complexa em termos de tratamento, pois envolve vieses econômicos, sociais, culturais, bem como herança histórica de colonização e patriarcado. Caminhamos nessa realidade a passos bem mais lentos do que o necessário: segundo dados da reportagem do jornal O Globo, de 07/03/2024, o Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio no ano passado – ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas, sendo o maior número registrado desde que a lei contra o feminicídio foi criada, em 2015. O número também é 1,6% maior que o de 2022, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) no dia 07/03/2024 (https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/03/07/brasil-feminicidios-em-2023.ghtml).
Nesse afã por avanços, merece destaque a Lei nº 14.540, de 03 de abril de 2023, que instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal.
Conforme estabelece a referida norma (art. 5º), os órgãos e entidades por ela abrangidos elaborarão ações e estratégias destinadas à prevenção e ao enfrentamento do assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual, a partir das diretrizes definidas na lei, dentre as quais, a divulgação de canais acessíveis para a denúncia da prática de assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual, ou de qualquer forma de violência sexual, aos servidores, aos órgãos, às entidades e aos demais atores envolvidos.
Destaca-se, ainda, que por meio do Decreto nº 11.534, de 19 de maio de 2023, foi instituído um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviço Público, composto pela Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União, pelos ministérios da Saúde, das Mulheres, do Trabalho e Emprego, da Educação, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e Cidadania, da Justiça e Segurança Pública, com a finalidade de elaborar proposta de um Plano de Enfrentamento ao Assédio e a Discriminação na Administração Pública Federal.
Em decorrência dos trabalhos do GTI, entrou em vigor o Decreto Nº 12.122, de 31 de julho de 2024, instituindo o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com a finalidade de enfrentar todas as formas de violências decorrentes das relações de trabalho, em especial, o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação.
No que se refere ao novo decreto, cabe destacar a necessária consideração que traz em relação à proteção de grupos historicamente vulnerabilizados, como mulheres, indígenas, pessoas negras, idosas, com deficiência e LGBTQIA+ (art. 4º). De relevo também é a previsão expressa quanto ao tratamento a ser dispensado aos casos que envolvam trabalhadoras terceirizadas ou trabalhadores terceirizados (art. 3º, § 1º e § 2º).
Ademais, dentre as ações previstas, há orientação para o tratamento cuidadoso e humanizado das questões que envolvam a temática. Desta forma, foi disposto que o enfrentamento das violências decorrentes das relações de trabalho pode ocorrer por meio de estratégias educativas de formação e sensibilização de agentes públicos, gestão humanizada nos espaços, avaliação permanente, proteção às pessoas denunciantes, procedimentos administrativos disciplinares e mecanismos de acolhimento, escuta ativa, orientação e acompanhamento (art. 2º).
Deverá ser elaborado, ainda, um plano federal e setorial de implementação e monitoramento que deverá ter como eixos a prevenção, acolhimento e tratamento de denúncias (art. 7º). Os planos setoriais deverão ser instituídos por ato das autoridades máximas dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, no prazo de 120 dias a partir da publicação do plano federal. Serão criados um comitê gestor e comitês estaduais, bem como estão previstos instrumentos de acompanhamento do Programa Federal. Os órgãos e entidades da administração pública são os responsáveis por implementar o Programa de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação no seu âmbito de competência, por meio dos planos setoriais (arts. 8º ao 14).
As empresas estatais, dentre as quais se inclui o BNDES, são citadas diretamente no art. 15 do referido decreto que determina que estas estabeleçam, em ato próprio, as ações necessárias à prevenção e ao enfrentamento do assédio e da discriminação, observadas as diretrizes e os eixos de que tratam o art. 5º e o art. 7º, respectivamente (inciso I); e os instrumentos adequados ao acompanhamento e ao controle das ações previstas no inciso I.
No âmbito deste Banco, foi constituído pelo Presidente do BNDES, em 12 de março de 2024, o Grupo de Trabalho de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação. Seus integrantes foram designados pelo Diretor de Compliance e Riscos, através do Ato de Designação DIR 9 Nº 005/2024 – BNDES, de 04 de abril de 2024. Enquanto Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação da AFBNDES, constituída em dezembro de 2022, temos participado do GT, na qualidade de convidada, como representantes da AFBNDES.
Diante de tantos normativos, cartilhas e debates sobre a temática, a pergunta que nós, enquanto Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio e Discriminação, mais ouvimos de colegas do BNDES é: por que ainda há tantos relatos de situações de assédio e discriminação no Banco, ainda que esse quadro não apareça no número oficial de denúncias e punições das instâncias de apuração competentes?
São muitas as respostas …. Podemos citar como os principais motivos: avaliação dos gestores com foco predominante na produtividade; falta de monitoramento e tratamento de indicadores relacionados ao clima e bem-estar das equipes; dificuldade em mudar de lotação; falta de treinamentos direcionados; falácia da meritocracia; desatualização de normativos; pouca diversidade nas instâncias decisórias, executivas e apuratórias; inexistência de um efetivo programa de proteção dos envolvidos em processos administrativos éticos ou disciplinares; descrença na punição; medo de retaliação; pouca transparência; falta de confiança no sigilo do processo e nas instâncias apuratórias; exígua estrutura apuratória; lentidão do processo; tempo que a pessoa ainda passará na instituição; desgaste emocional; falta de acolhimento; e desinformações sobre o processo.
Por fim, não tem como deixar de mencionar as comissões de diversidade que surgiram organicamente no BNDES, atualmente alocadas na AFBNDES, compostas por pessoas dedicadas e extremamente comprometidas com seus propósitos de tornar esta casa mais igualitária e diversa. As comissões de Raça e Etnia; LGBTQUIAPN+, PCDs; Pais e Mães de PCDs; Mulheres, Terceirizados; e a de Combate e Prevenção ao Assédio e à Discriminação deveriam ser consideradas, incentivadas e reconhecidas por esta instituição como atores imprescindíveis para o avanço das pautas de diversidade do BNDES.
Contudo, as comissões enfrentam enormes desafios para avançarem em suas agendas, encontrando resistências internas e pouco apoio institucional, que parece não refletir o comprometimento já declarado da Alta Administração com o tema. Nas demais esferas do BNDES, o que se vê, na realidade, é morosidade e pouca ação prática, configurando-se quase como temas menos importantes ou acessórios tocados pelos diversos departamentos responsáveis pelas ações institucionais concretas. Há uma gama de oportunidades de melhoria, demandas atuais e já está batendo à porta a necessidade de treinamentos e letramentos obrigatórios, especialmente nesse momento em que foi lançado o edital do novo concurso público. Em breve, receberemos novas(os) empregadas(os)! Qual é a cara do BNDES que queremos?
Bem, apesar do imenso desafio, seguimos nessa luta orientados pela esperança de novos tempos. Avancemos!
A Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação – AFBNDES
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