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As dificuldades para punir o assédio moral e o assédio sexual no serviço público

Apenas 12% dos acusados de assédio moral e 21% dos acusados de assédio sexual são punidos

Myrelle Jacob, coordenadora da pesquisa “Servidoras e Servidores Públicos contra Assédio e Violência no Trabalho…” | Reprodução: Instituto República

VÍNCULO 1571 – A Festa Literária de Paraty (Flip), realizada até o último domingo (22), trouxe para o debate uma questão relevante: a falta de definição clara nas legislações sobre os casos de assédio sexual e moral no serviço público e a consequente dificuldade para responsabilização dos acusados. Dados a respeito estão presentes na pesquisa “Servidoras e Servidores Públicos contra Assédio e Violência no Trabalho: Limites da Estabilidade do Mecanismo de Proteção”, conduzida pela advogada Myrelle Jacob para o Instituto República.org, que fomenta iniciativas para qualificar o serviço público.

“Acreditamos que a valorização do servidor público passa por discussões sensíveis como a do assédio, mas isso demanda dados para dar consistência às análises. Não havia um recorte tão detalhado quanto o que conseguimos com essa pesquisa”, diz Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação da República.org. à Folha de S. Paulo. “O assédio no setor público requer um atendimento mais específico por causa de características particulares da atividade, como a estabilidade e a convivência mais prolongada das equipes em alguma área ou função”, complementa.

Para Myrelle Jacob, “um dos entraves [para apurar as denúncias e punir os responsáveis] é a morosidade. Desde o relato do eventual ilícito nos canais de denúncia até a instauração de algum procedimento administrativo transcorrem-se, em média, 500 dias. O relato, segundo ela, vai passar pelo crivo de uma ouvidoria e ser chancelado pela corregedoria antes de chegar à fase de investigação.

Também destacado pelo portal de notícias Jota, o estudo aponta que, no âmbito do Executivo federal, a legislação não possui nenhuma norma sobre assédio moral ou sexual no trabalho. Segundo o levantamento, o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis (Lei 8.112/90) não garante a responsabilização, exigindo que os trabalhadores recorram às instâncias administrativas e à Justiça comum para denunciar os casos.

Ao analisar mais de 3 mil denúncias e manifestações na administração pública federal, o levantamento pontuou que, em 2022, o assédio moral correspondia a 82% das denúncias. Outras 18% eram sobre assédio sexual. Nos órgãos da União, as instituições de ensino concentraram a maioria das queixas envolvendo assédio sexual. Entre as 643 denúncias analisadas, 336 saíram de autarquias vinculadas à educação.

Das pessoas denunciadas por assédio moral, 12,3% receberam algum tipo de penalidade e 1,5% foram demitidas. Por outro lado, nos casos de assédio sexual, 21,3% das pessoas denunciadas receberam algum tipo de penalidade, sendo que 9,4% foram demitidas.

No caso da administração pública estadual, 15 unidades federativas possuem legislação sobre assédio, mas apenas cinco possuem alguma regulamentação específica sobre assédio sexual, enquanto 14 tratam sobre assédio moral. Além disso, o estudo pontua que não existe um canal específico para que os servidores denunciem casos de assédio.

Segundo Myrelle Jacob, além da escassa legislação, o entendimento sobre os tipos de assédio não é uniformizado. Por exemplo, a pesquisa localizou 12 formas diferentes para conceituar assédio moral, sendo que cinco delas exigiam a reincidência para a aplicação de penalidades superior à advertência.

“Esse conceito [assédio moral] foi criado pela psiquiatra Derry Goyne e, de alguma forma, perpetua a repetição como um elemento constituinte. Ou seja, somente se for um ato repetido é que ele vai ser considerado assédio moral. Entretanto, nós não temos segurança em dizer que um único ato de assédio é seguro ao ponto da administração pública não classificá-lo como um ato proibido ou como um ato que precisa ser cessado imediatamente”, explicou Myrelle Jacob ao Jota.

Conceito de assédio sexual

Em relação ao conceito de assédio sexual, Jacob afirma que as legislações não estabelecem um entendimento claro. Para ela, isso se deve ao fato de que o assédio sexual por chantagem está incluso no Código Penal, concluindo que “a não regulamentação do assédio sexual aponta para um despreparo em apresentar soluções aos servidores no âmbito administrativo correcional”.

“Na avaliação de uma denúncia, assédio moral, assédio sexual e discriminação são tratados como questões diferentes, mas na realidade não são. A discriminação não é um ato isolado, mas uma das raízes do assédio”, afirma Jacob. “Normalmente, assédio está associado à repetição de conduta, mas a gente sabe que um único ato, a depender de sua gravidade, já pode ser suficiente para afetar o emocional e o desempenho de um servidor”, destaca.

Ao contrário dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os servidores públicos estão submetidos a regimes estatutários de trabalho e não podem recorrer à Justiça do Trabalho. “O cenário brasileiro atual é marcado pela ausência de lei federal com abrangência nacional que apresente a conceituação de assédio e violência no mundo do trabalho”, avalia a pesquisadora.

Segundo o Jota, em matéria do jornalista Nino Guimarães, em 2023 o Executivo federal instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação no Serviço Público. O GT deve finalizar suas atividades até o final deste ano. O resultado deve subsidiar uma política de atuação junto a todos os órgãos da administração federal.

Flip: Assédio no serviço público

A mesa sobre Assédio no Serviço Público, da Casa República.org na Flip, mediada pela cientista social e gerente de Dados e Comunicação da República.org, Vanessa Campagnac, começou com um exercício de empatia: o público recebeu bilhetes contendo trechos de relatos de servidores e servidoras públicas que passaram por situações de assédio (foto).

Gabriela Lotta, professora da FGV e vice-presidente do Conselho da República.org, juntamente com Myrelle Jacob, advogada especialista em gênero, contribuíram para o debate compartilhando suas pesquisas sobre o assédio no âmbito do serviço público.

Lotta iniciou a discussão enfatizando a importância da estabilidade para proteger os servidores públicos de um tipo de assédio que compromete a democracia: a pressão para que não cumpram suas responsabilidades. Segundo a professora, “o assédio, de forma geral – não apenas o sexual –, mina a coesão social nas organizações”.

Ao abordar a dificuldade de identificar alguns casos de assédio, Campagnac dividiu sua experiência como pesquisadora na área de violência. “Durante palestras sobre violência contra a mulher, algumas pessoas na plateia percebiam que haviam passado por situações de violência enquanto nós discutíamos o tema”, relatou a mediadora.

Myrelle Jacob, especialista em gênero e autora do estudo sobre as leis de combate ao assédio nos estados, trouxe à luz a necessidade de legislações mais detalhadas sobre o assédio. “É muito difícil que uma denúncia feita por servidor público se torne de fato um processo administrativo”, explicou. “Também há poucas informações sobre o que acontece nesse percurso, o que torna impossível saber em que momento ou circunstância uma denúncia foi arquivada”, complementou.

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