CNJ aprova reconhecimento de causa da morte e permite emissão de certidões de óbito de vítimas da ditadura
VÍNCULO 1623 – Há 10 anos, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado em 10 de dezembro, o Relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi apresentado na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O documento foi entregue à sociedade civil, aos representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e aos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Criada pela Lei 12.528/2011 no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, mas instituída em 16 de maio de 2012, a CNV teve por finalidade apurar violações de direitos humanos ocorridas entre setembro de 1946 e outubro de 1988.
Em celebração à data, no último dia 10, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, reafirmou o compromisso da entidade com a preservação da memória e em defesa da democracia e pela busca da justiça. “A memória é o alicerce de uma democracia sólida. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, que completa uma década de sua apresentação, é um marco imprescindível para que o Brasil reconheça os erros do passado e construa um futuro baseado na Justiça e no respeito aos direitos humanos”, declarou.
“A luta pela democracia e a defesa dos direitos fundamentais são parte da história da OAB. A Comissão da Verdade fez um importantíssimo trabalho de resgate histórico, fundamental para a memória da nação e para a consolidação do período democrático. É preciso lembrar para jamais repetir os erros do passado. Assim, podemos construir um Brasil pacificado, com uma sociedade justa, solidária e fraterna, que respeita as diferenças”, afirmou o membro honorário vitalício Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da OAB na época de apresentação do documento.
Com 4,4 mil páginas divididas em três volumes, o relatório reúne 29 recomendações, incluindo a responsabilização de agentes do Estado por graves violações de direitos humanos e a revisão da legislação – Lei da Anistia (Lei 6.683/1979).
Retificação de certidões de óbito
Também na última terça-feira (10), O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou, por unanimidade, o dever de reconhecer e retificar o óbito de todos os mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). “É um acerto de contas legítimo com o passado”, afirmou o presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso.
A regulamentação autoriza a retificação de certidões de óbito para incluir a seguinte descrição: “Morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política”.
“Vivemos a partir de 1964 um golpe de Estado no Brasil. As pessoas questionam o termo golpe, mas esse é o nome que, em ciência política e na teoria constitucional, se dá à destituição do presidente da República por um mecanismo que não esteja previsto da Constituição”, disse Barroso. Segundo o ministro, a medida alivia, de certa forma, a dor dos sobreviventes e das famílias que sofreram com a perseguição política que se seguiu ao golpe. O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, também ressaltou que a medida é um importante resgate da verdade sobre o que se passou no país.
“Ainda estou aqui”
O jornalista Bernardo Mello Franco escreveu a respeito no Globo de quarta-feira (11), citando o filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, indicado para o Globo de Ouro de melhor filme de língua não inglesa.
“Numa das cenas mais fortes de ‘Ainda estou aqui’, Eunice Paiva ergue uma certidão de óbito como se fosse um troféu. A ditadura havia matado seu marido em 1971. Ela só conseguiu o documento em 1996, depois de 25 anos de espera”.
“‘O não reconhecimento da morte de Rubens Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família’, disse Eunice, interpretada no filme por Fernanda Torres [indicada para o Globo de Ouro de melhor atriz de filme dramático]. Até hoje, centenas de famílias vivem uma angústia parecida”.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, o país ainda deve a retificação dos assentamentos de óbito de 404 mortos e desaparecidos. “A obrigação só foi cumprida em 38 casos”, afirma o ex-ministro Nilmário Miranda.