Adriano Conde Vitor – Arquiteto do BNDES
Vínculo 1235 – Agradeço de início à AFBNDES pela oportunidade de reproduzir aqui, numa versão estendida (que espero mais inteligível), o texto que levei à AGE do último dia 7.
Neste atual momento de execração midiática do BNDES, vejo duas frentes de ação necessárias:
1°) participação, mobilização, articulação e visibilidade;
2°) produção e disseminação de conteúdo qualificado, sob a ótica da teoria da hegemonia cultural e do conceito de guerra de posições, de Gramsci.
Explico:
É fundamental sermos capazes de formular uma crítica bem fundamentada ao discurso econômico hegemônico. Entendo que boa parte da pasmaceira da inteligência brasileira diante dos acontecimentos dos últimos meses se deu porque boa parte dela está imersa ou foi cooptada pelo discurso dominante.
Nas palavras de Ciro Gomes, “estão nos vendendo ideologia de quinta categoria como se fosse ciência boa”. Eu me permito corrigir a frase e dizer que estão nos dando de graça essa ideologia de quinta porque há quem pague muito bem para ela ser produzida, ou seja, se não entendermos os interesses econômicos por trás de discursos como o do Custo Brasil, austeridade fiscal, dominância fiscal, tripé macroeconômico, política de metas de inflação etc., não conseguiremos elaborar uma crítica consistente a esse discurso.
Há um batalhão de jornalistas e economistas diariamente inundando jornais e TVs com conteúdos que, após repetição incessante e onipresente, passam a ser tomados como verdade absoluta. Um bom exemplo é a teoria do tripé macroeconômico, que sustenta um dos maiores juros reais do mundo, em benefício do interesse de poucos.
Na perspectiva da guerra de posições, a polêmica em torno do artigo de André Lara Resende “Juros & conservadorismo intelectual” é evidência incontestável da ferocidade da defesa do discurso hegemônico. Quatro dias após a publicação do artigo, Ancelmo Gois noticia que a Casa das Garças vai destruir, digo, “discutir” o artigo, promovendo um seminário internacional a seu respeito. Elio Gaspari também percebeu: “estão patrulhando André Lara (…) ‘a tribo dos economistas está inquieta’, nem tanto pelo que Lara Resende disse, mas porque mexeu em coisa que deve ficar fora da agenda: a taxa de juros”. Em sua tréplica, Resende afirma que “A importância do tema para o interesse público exige que a discussão não seja feita a portas fechadas, que não fique restrita à academia. (…), deve ser discutido também através dos meios de comunicação vigentes. É parte do processo de educação democrática”.
Na guerra de posições, é fundamental a produção de conteúdo intelectual e academicamente qualificado, que seja capaz de desmontar os argumentos do discurso dominante, demonstrando inequivocamente os sofismas nele presentes. É fundamental a proteção e a disseminação desse conteúdo, através de conferências, seminários, cartilhas etc.
É aqui que se chega ao primeiro ponto, sobre mobilização e visibilidade. Não podemos ficar restritos aos corredores do BNDES. Do outro lado da rua, nossos colegas foram alvos de ataques maciços durante os dois últimos anos. Com a alteração do sistema de partilha do pré-sal e da política de conteúdo local, parece que chegou a nossa hora de sermos a bola da vez.
Creio que devemos congregar esforços com outras entidades, como por exemplo a AEPET (Associação de Engenheiros da Petrobrás), o SINAL (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), Auditoria Cidadã da Dívida, Frente Ampla dos Trabalhadores do Serviço Público pela Democracia etc., que têm-se mostrado atuantes diante da situação atual. Devemos criar eventos que tenham amplitude de serem noticiados, e produzir críticas qualificadas que possam ser disseminadas nesse movimento. Um discurso sectário ou meramente corporativo desperdiçará o potencial dessas ações.
Em termos de estratégia midiática, o “direito de resposta” faz parte do jogo da “liberdade de imprensa”, e deve ser utilizado como recurso, sempre que oportuno. Em outra vertente, a era digital é um facilitador da comunicação; além do site e da página do Banco na rede social, há inúmeros jornais eletrônicos e blogs de notícias cuja visão difere da dos jornalões comprometidos e que, julgo, abririam espaço para a defesa do Banco: Blog da Cidadania, Blog Luís Nassif, Brasil247, Cafezinho, Carta Maior, Diário do Centro do Mundo, Intercept Brasil, Jornal GGN, Jornalistas Livres, Mídia Ninja, Tijolaço, Viomundo, entre tantos. O artigo ‘BNDES, economia e dívida bruta’, de Thiago Mitidieri, na Folha de São Paulo de 31/10, e a sua repercussão na maioria dos veículos acima citados, é prova inconteste da receptividade dos argumentos em defesa do Banco.
Por outro lado, entendendo que o debate econômico é fundamentalmente um debate cultural, tem-se que levar em conta as características da cultura de massa. Conceitos não conseguem se firmar na cultura popular enquanto não forem criados bordões que o sintetizem. O bordão que nos foi confeccionado nessa campanha de execração midiática é “a caixa preta do BNDES”, a despeito do esforço recente do Banco em prol da transparência de informações. O bordão das “campeãs nacionais”, por sua vez, está tendo o mesmo fim que o da “nova matriz macroeconômica” (e reparem que fim levou aqueles que defendiam ou representavam esta “nova matriz”).
Portanto, a produção de conteúdo crítico deve passar por uma fase de rebuscamento e, em seguida, uma fase de síntese, para que possa ser disseminado através de conteúdos simples, e possa ser incorporado à cultura e estabelecer avanços nas trincheiras da guerra de posições.
Entendo que temos um trabalho hercúleo à frente, e não basta ficarmos sentados em berço esplêndido, do alto do mito da excelência do corpo funcional benedense, esperando chegarem os empresários a bater à porta da única fonte de dinheiro barato para investimentos produtivos de longo prazo.
O corpo funcional pode ser excepcional, mas se a instituição não for considerada relevante, não tiver uma função social que a justifique, estará fadada à extinção. Por exemplo: a defesa da política de exportação de serviços de engenharia e construção foi simplesmente esmagada pelo discurso hegemônico. Creio que os benefícios sociais dessa política não ficaram claros sequer para muitos de nós mesmos. O trabalho de mensuração de resultados deve ser constante, aprofundado, sintetizado e divulgado, nessa ordem. Eventuais erros do passado não devem ser ignorados, devem ser analisados no processo de revisão crítica.
É importante frisar que presidências e diretorias são mandatadas para fazerem cumprir políticas de governo. E uma crítica constante no debate público brasileiro é a ausência de políticas de Estado, que perpassem governos e garantam aos agentes econômicos previsibilidade fiscal, cambial e monetária. Não devemos esperar que políticas de Estado sejam formuladas em gabinetes de governos. A possibilidade de implementação delas dependerá de demanda social, quando se tornarem relativamente consensuais, após um processo de debate democrático.
Creio que deve existir um trabalho constante de estudo, revisão crítica, debate, formulação de teorias e de políticas alternativas, mesmo que os ventos políticos soprem erraticamente, e, ao mesmo tempo, um trabalho de disseminação de conteúdo, de visibilidade dos benefícios de um banco público de desenvolvimento, de educação econômica da população. O hermetismo do discurso econômico também é produzido por interesses de castas.
Lembro que, durante os estudos para construção do prédio anexo ao Edserj, foram requisitados espaços para a “Casa do Desenvolvimento”, um projeto que tinha como objetivos, entre outros, a integração do Banco com a sociedade. A despeito da não construção do anexo, não seria a hora de buscar reforçar essa aproximação?
A atividade coletiva decorrente deste esforço também será importante para superar o gap geracional do BNDES, auxiliando a revitalizar e a reforçar a cultura da instituição.
Um primeiro passo já foi dado, a presença considerável dos funcionários do BNDES na assembleia geral extraordinária no dia 7. Reiterando o último comunicado da AF, a luta em defesa do Sistema BNDES e do desenvolvimento nacional está apenas começando!