Arthur Koblitz – Vice-presidente da AFBNDES
Vínculo 1246 – Não sabíamos que o artigo que enviamos para O Globo, há duas semanas, seria publicado como contraponto a editorial do jornal. Não tivemos acesso ao editorial quando escrevemos nosso artigo e eles tiveram acesso ao nosso texto quando escreveram seu ponto de vista.
De toda forma, a cobertura de O Globo tem sido tão enviesada – dando cobertura entusiástica a favor da reforma não democrática ora em curso, pela qual desmonta-se algumas instituições econômicas básicas do país sem qualquer debate amplo na sociedade –, que comemoramos que esse nosso pequeno contraponto tenha conseguido espaço na publicação.
Os editores de O Globo são favoráveis à devolução antecipada dos R$100 bilhões ao Tesouro e à extinção da TJLP. Dificilmente alguém vai ficar surpreso com parte do argumento escolhido para defender essas propostas. Repetem-se, por exemplo, as falácias de que o BNDES é o responsável pela baixa eficácia da política monetária e pela falta de um mercado de capital privado no país. A TJLP é condenada como uma taxa discricionária, como se isso fosse um grave problema. Curiosamente, o jornal não informa a seu leitor que a SELIC é também discricionária. A indignação seletiva de O Globo com a discricionariedade das taxas de juros brasileiras é ainda mais notável tendo em vista o contraste com o comentário comum na imprensa internacional. Fora do Brasil é mais alvo de surpresa o nível da SELIC do que a existência da TJLP: forma encontrada para minorar os efeitos desastrosos para a economia que se seguiriam no império absoluto da SELIC.
Também não é novidade a crítica à gestão do BNDES no período Luciano Coutinho, que talvez tenha sido exagerada como nunca. Assim, segundo o jornal, os R$ 500 bilhões aportados pelo Tesouro no BNDES foram “distribuídos” para “campeões nacionais”! De modo mais usual o artigo denuncia as políticas setoriais relativamente malsucedidas (cadeia de petróleo e gás) e ignora as bem-sucedidas (fármacos). A parte mais interessante do artigo procura esclarecer a origem dos erros petistas em padrões históricos brasileiros, e em vulnerabilidades do BNDES. A crítica é estendida à atuação do Banco no 2º PND, quando “o banco foi o suporte financeiro do programa de substituição de importações de equipamentos e insumos básicos, altamente subsidiado pelo Tesouro”. O BNDES, para além do seu custo fiscal, tem como grande problema o de que pode se tornar vítima do “poderoso da vez”. Portanto, fica implicitamente sugerido: o BNDES não pode ser grande, não pode ser muito influente. E todos devem concordar com isso, com exceção daqueles que acreditam “em políticas intervencionistas, que utilizam o BNDES como instrumento de ‘vontades políticas’”.
Felizmente não temos que ficar à mercê do BNDES, segue O Globo, pois podemos contar com o capital internacional. Na verdade, fica sugerido, o BNDES fazia sentido para valer nos anos 50 quando foi criado, quando até o liberal Roberto Campos concordou com isso, mas não agora em tempos de globalização financeira. O jornal fica chocado em saber que “até empresas que podem levantar recursos no exterior preferem o dinheiro barato do banco”.
É preocupante que esse editorial reflita um senso comum que vem sendo consolidado entre a elite brasileira. Seu potencial destrutivo nacional não pode ser subestimado. Vejamos: se devemos condenar nos termos sugeridos o impulso estruturante do 2° PND (substituição de importação, altos subsídios, movido por uma política intervencionista, contanto com imensa mobilização de vontade política de modernizar o país), como não estender a mesma reprovação ao Plano de Metas, que contou igualmente com o apoio decisivo do BNDES? E se estendemos esse julgamento ao Plano de Metas, que país essas pessoas estão defendendo? Como esses senhores acreditam que outros países se desenvolveram?
Note-se que a explicação do porquê Roberto Campos apoiou a criação do BNDES é melhor compreendida tendo em vista a inflexão de sua trajetória durante a década de 50. No início desta década, a despeito de suas posições liberais em assuntos macroeconômicos, era ele um economista que acreditava em planejamento econômico. Melhor exemplo de um liberal da época, mais comparável aos que hoje parecem fazer a cabeça dos editores de O Globo, é Eugenio Gudin. Ele achava que o setor privado não precisava de apoio público para a infraestrutura mesmo nos anos 50. Ou seja, o liberal típico da metade do século passado tinha profundas dúvidas sobre a necessidade do BNDES.
O que os editores de O GLOBO esperam que o Brasil venha a ganhar com a globalização financeira ninguém até agora ganhou – e as razões para isso não são difíceis de compreender. A globalização financeira não é apenas o reinado da mobilidade internacional de capital, mas é também o do horizonte de curto prazo, incompatível com investimentos de longo prazo – particularmente em infraestrutura. Por isso o crescente papel dos bancos de desenvolvimento em todo o mundo. Por isso os exemplos de desenvolvimento que vêm da Ásia (região que se desenvolveu sistematicamente nas últimas três décadas) são marcados por intervenções públicas sistemáticas na economia e por importantes bancos de desenvolvimento.
O BNDES e sua institucionalidade deram mais de uma vez provas de poder se defender dos poderosos de ocasião. As organizações Globo, indiscutivelmente poderosas, sabem disso por experiência própria. Aperfeiçoamentos são sempre bem-vindos e necessários, mas está cedo para falar o que a Lava-Jato revelará sobre o BNDES. O Globo reconhece o valor do quadro funcional do Banco e isso é bom, mas a visão que subscreve em última instância não reconhece um papel para o BNDES. Um importante exemplo para os funcionários do Banco de que nossa luta não é só contra a difamação vinda do TCU, mas contra a ofensiva ultraliberal que chegou ao poder sem nenhum contraponto com o governo Temer.