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Armas não matam pessoas!

Sergio Novis Filho – Administrador/BNDES

Vínculo 1355 – A máxima acima é utilizada pelos que defendem a liberalização das armas, pois elas em si seriam inofensivas; apenas quem as manuseia é que representaria risco.

No Brasil industrializado, o BNDES talvez seja a principal arma financeira do arsenal disponível às políticas públicas, a seu turno, dos respectivos governos federais. Criminalizar a atuação do Banco é, nesse sentido, a mesma coisa que culpar as armas pelos “crimes” cometidos. Registre-se que somos contra as armas e a favor do BNDES e fazemos uso da metáfora apenas para ilustrar ideias opostas.

Desde a sua fundação, em 1952, o então BNDE, posteriormente rebatizado BNDES, teve papel relevante na viabilidade do crédito em apoio às políticas públicas do país. No PND dos militares1, assim como no PND de Collor e FHC2, no maior destaque às exportações do governo Lula e, mais recentemente, nas medidas anticíclicas de Mantega e Dilma, as regras dos empréstimos de longo prazo do BNDES sempre refletiram tais políticas.

O país ainda era eminentemente rural em 1952. O Banco inicia com foco em infraestrutura. Com mais infraestrutura instalada, expande suas linhas para a expansão da indústria. Em seguida, financia a comercialização dos bens industriais, com a Finame. Na sequência, parte para a mitigação dos impactos sociais da urbanização crescente. Chega a fase do apoio à exportação e internacionalização das empresas do país, a inovação e a capilaridade do crédito de médio, longo prazo para MPMEs. A ampliação do escopo de atuação do BNDES reflete o próprio desenvolvimento econômico e social do Brasil. A cada empréstimo concedido, inúmeras cadeias produtivas são movimentadas; como as da indústria, do transporte, dos serviços públicos nas cidades, da geração de energia, dos serviços financeiros e da educação. Todas gerando emprego, renda, tributos e desenvolvimento para a nação.

As gravíssimas revelações de corrupção da operação Lava-Jato agravaram a polarização política do país. Duas empresas legitimamente e legalmente apoiadas pelo BNDES revelaram-se centrais nos esquemas de corrupção de funcionários públicos, partidos e políticos no Brasil. Não foi difícil a opinião pública ser induzida por uma narrativa que caracteriza o Banco como um iceberg de ilicitudes a serem reveladas. Tudo resultado de um pretenso plano de criação de “campeões nacionais3”.

Na verdade, a crise financeira internacional de 2008 permitiu ao governo aprofundar diversas intervenções na economia4. E foram várias as ações: desonerações tributárias, IPI zero, intervenção no preço dos combustíveis, redução forçada da tarifa de energia elétrica, redução forçada da Selic, créditos agrícolas incentivados, programas habitacionais subsidiados (MCMV), créditos estudantis (FIES), programas de capacitação técnica (PRONATEC), aumento dos quadros de funcionários públicos, programas de concessões, grandes obras de infraestrutura (PAC), enfim, a ordem era expandir a economia com recursos públicos quase ilimitados.

Nesse contexto, ao BNDES coube a missão de expandir o crédito para a comercialização de máquinas e equipamentos, ônibus e caminhões, investimentos industriais, infraestrutura e exportação. Estes financiamentos já eram regularmente oferecidos pelo Banco com lastro nas captações ordinárias junto ao FAT5. Entretanto, uma sequência de empréstimos do Tesouro ao BNDES, que totalizaram R$ 440,8 bi de 2008 a 2014, mais que dobraram a capacidade de emprestar do Banco6. Ademais, foi instituído o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), empréstimos com taxa fixa e reduzida de juros. Isto foi viabilizado com o pagamento ao BNDES, pelo Tesouro, de equalização das taxas de juros do PSI.

Além da suposta “política de campeãs nacionais”, surge ao longo do escrutínio público e midiático sobre as atividades do Banco a referência a uma “caixa-preta”. Por um lado, caixa-preta revela a percepção de algo reservado, secreto ou obscuro. Por outro, mais associado ao mundo aeronáutico, identifica as possíveis causas de um “desastre”. É óbvio o profundo desconforto do corpo técnico do Banco em reconhecer um desastre no fato de terem desempenhado suas funções exatamente como determinam a missão, visão e valores do BNDES.

Explicar a “caixa-preta” do BNDES é um exercício frustrante em comparação aos êxitos da Lava-Jato. Importante mencionar que mesmo na Petrobras, funcionários concursados e responsáveis por orçar o valor dos serviços e obras a serem licitadas foram surpreendidos pela revelação do enorme esquema de corrupção e loteamento dos contratos. Pelo que foi noticiado, a Petrobras sempre informou nos editais das obras o valor máximo que estava disposta a pagar, conforme diligentemente estimado por seus técnicos7.

Existe uma enorme diferença entre contratar uma obra e financiar sua realização. Não é o Banco que negocia os preços e condições da obra. Aliás, é curiosa a percepção leiga sobre o BNDES, como se o Banco fosse um ministério que seleciona e decide que obras irá realizar e quem serão as empresas contratadas.

Indo direto o ponto, a “caixa-preta” do BNDES, ou seu “segredo”, é a atratividade de seus financiamentos. E não há nada de ilegal, imoral ou original nisso. Via de regra, qualquer empréstimo de bancos de desenvolvimento ou agências de crédito à exportação, no mundo inteiro, só são contratados na medida em que os prazos de pagamento, as carências e as taxas de juros sejam atraentes. Isso de forma a viabilizar cada transação comercial (venda de bens e serviços) ou investimento (construção, reforma ou ampliação).

No caso brasileiro, onde a taxa básica de juros da economia foi usada para controle da inflação, o BNDES foi fonte perene de crédito de longo prazo com taxas de juros alinhadas pela meta de inflação e não contaminadas por ela. O Banco sempre foi diligente e exigente para conceder seus empréstimos. Apenas projetos sólidos, financeiramente e juridicamente seguros, com garantias adequadas e que movimentem as cadeias produtivas do Brasil são financiados pelo BNDES8.

Na maioria dos empréstimos para exportação de bens e serviços brasileiros, notadamente os empregados em obras no exterior9, o BNDES é garantido pelo Seguro de Crédito à Exportação (SCE), com recursos do Fundo de Garantia à Exportação (FGE)10. Isto é, o seguro recebe os prêmios e, se o devedor não paga, o SCE é acionado, indeniza o BNDES e o Tesouro assume a recuperação do crédito11.

Dois episódios relacionados à confidencialidade de suas operações traumatizaram a relação do BNDES com órgãos de controle e com a sociedade em geral: a classificação secreta atribuída pelo MDIC para os empréstimos relacionados às exportações brasileiras para Cuba e Angola e a interpretação da lei do sigilo bancário. Ambos já estão superados.

Em primeiro lugar, as coberturas do SCE, nos casos de Cuba e Angola, foram aprovadas pela CAMEX com soluções de contragarantias customizadas, que poderiam suscitar interesse de concorrentes internacionais12. Neste sentido, o MDIC decidiu classificar as duas operações como secretas. Coube ao Banco observar tal classificação. Finalmente, o ministério retirou a classificação de secreta em 02/06/2015, permitindo ao BNDES dar publicidade aos termos e até divulgar cópias dos contratos de financiamento.

O segundo aspecto, sobre a interpretação do alcance da lei do sigilo bancário, levou a que um acórdão do TCU fosse prejudicado pela reserva de informações relativas a investimento da BNDESPar. Para superar o impasse, o Banco decidiu proceder com uma ação junto ao STF. A decisão da 1ª turma, por maioria, e não por unanimidade, esclareceu que não deveria haver restrição de informações ao TCU. O BNDES não recorreu da decisão e, protegido pela decisão judicial, compartilhou amplamente as informações solicitadas e ampliou sucessivamente as informações disponibilizadas em seu portal de transparência.

Os próprios delatores da Lava-Jato, quando se referem ao trato com o BNDES, reconhecem que as negociações com o Banco sempre foram pautadas por critérios técnicos e rígida formalidade. Se as empresas recorreram à corrupção para conquistar contratos de obras, no Brasil ou no exterior, ou para obter apoio de políticos para suas estratégias de negócios, tais ilícitos não ocorreram junto aos funcionários do BNDES.

Quando mencionam o BNDES, os delatores também informam que parte dos pagamentos de propina para altas autoridades do governo eram acertados na expectativa de que suas demandas ao Banco seriam, naturalmente, favorecidas. Por outro lado, nos mesmos depoimentos, confirmam que nem os prazos de análise e nem as formalidades exigidas foram de alguma forma beneficiadas. E que nunca trataram desses acertos de corrupção no BNDES ou com a participação de funcionários do Banco.

Durante o período mencionado de maior intervenção na economia, o Banco contratou empréstimos com centenas de milhares de empresas diretamente e indiretamente, com a participação de dezenas de bancos e demais agentes financeiros repassadores. Onde estão as denúncias de ilícitos sistêmicos no BNDES? Ao contrário, as reclamações são sobre as dificuldades do Banco “quebrar um galho” quando falta um balanço atualizado ou uma certidão negativa. Onde está o projeto adequadamente apresentado que o Banco tenha negado porque emprestou o dinheiro para Cuba? Estados e municípios que não têm projetos para apresentar ou empresas com restrições de crédito são os que mais acusam o Banco de ser injustamente “seletivo” na concessão de seus empréstimos. É curioso constatar que quando um crédito é negado por um banco qualquer, a sociedade reconhece que o problema deve ser a má qualidade do devedor. Mas quando é negado pelo BNDES, é por não ser “amigo do rei”?! E quando aprovado é porque é “amigo do rei”?!?!

Ora, se esta hipótese fosse verdadeira, como explicar a histórica baixa inadimplência dos empréstimos concedidos pelo BNDES? E os repetidos lucros ao longo de seus muitos anos, os constantes pagamentos de dividendos e de tributos? Se os R$ 440,8 bi aportados pelo Tesouro tivessem sido transferidos aos “amigos do rei”, como o Banco seria capaz de pagar e antecipar sua devolução? Se for verdade que os números não mentem, algo parece estar fora do lugar quando falam mal do BNDES.

Não é difícil encontrar opositores às políticas de crédito desempenhadas pelo BNDES, nos diferentes governos, ao longo de toda a sua história. Mas a legalidade e sustentabilidade da instituição deveriam ser dignas de reconhecimento. Muitas instituições e recursos públicos foram pulverizados no Brasil nos últimos 67 anos. Este, certamente, não é o caso do BNDES.1 Planos Nacionais de Desenvolvimento I (1972-1974) e II (1975-1979)2 Programa Nacional de Desestatização (1990-2002)3 Apesar de “campeões nacionais” ser uma expressão utilizada em programas públicos de política industrial ao longo dos anos em países como França, Coréia, Rússia, Alemanha, etc., nunca foi adotado oficialmente no Brasil. Durante os governos Lula/Dilma, os programas que mais se aproximaram disso foram a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e, posteriormente, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Ambos tiveram seus marcos legais aprovados pelo Congresso Nacional e sempre contaram com a participação de representantes da sociedade civil.4 Países como Reino Unido, EUA, Japão, Suíça e membros da zona do Euro realizaram intervenções para estabilização de suas economias em montantes absolutamente inéditos na história.5 Note-se que os empréstimos extraordinários do Tesouro ao BNDES não alteraram o escopo de atuação do Banco.6 Os investimentos em empresas pela BNDESPar não são lastreados nos recursos do FAT e nem nos aportes do Tesouro. São fruto da gestão e reinvestimento de sua carteira ao longo de muitos anos, desde 1974.7 Recentemente, o TCU passou a instar o BNDES a adotar um procedimento semelhante. Além de ser inédito em relação aos demais bancos de desenvolvimento e agências de crédito à exportação no mundo, o caso Petrobras demonstra as limitações desse procedimento.8 Bens e serviços importados não são elegíveis ao financiamento do BNDES, seja no Brasil ou no exterior. Máquinas e equipamentos necessitam de credenciamento prévio na Finame, conforme metodologia própria.9 O exportador brasileiro é contratado para realizar parte ou toda uma obra de grande porte no exterior. Apenas os itens exportados do Brasil são elegíveis ao financiamento do BNDES. Em média, estes itens representaram 48% dos valores totais devidos pelas obras contratadas. Nenhuma despesa local ou importação de terceiros países são elegíveis.10O FGE, regido pela lei 9.818/1999, é um fundo de natureza contábil do Tesouro Nacional. Apesar dos sinistros, o fundo é superavitário, os prêmios cobrados superam as perdas cobertas. Ademais, o patrimônio do FGE, isto é, o valor destacado pelo Tesouro para fazer frente às obrigações do Fundo, é sempre superior ao atuarialmente necessário para cobrir os riscos assumidos.11Desde o final de 2016 o Brasil integra como credor o Clube de Paris, organização que conduz negociações para a recuperação de créditos soberanos, com a participação do FMI.

12É bastante usual o tratamento sigiloso sobre termos e condições aplicados nos instrumentos públicos de crédito à exportação, como praticado pela China, Índia, Rússia e mesmo por países da OCDE.

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