Tatiana Carneiro Quírico – Gerente do BNDES
Vínculo 1282 – Imagine o seguinte diálogo entre um funcionário de qualquer área operacional do BNDES com um diretor de uma empresa que está pleiteando apoio financeiro do Banco:
– Pelas suas demonstrações financeiras vejo que sua empresa está bastante alavancada, com um volume baixo de recursos próprios para a projeção de investimentos que vocês estimam realizar. Caso o BNDES conceda o volume de recursos solicitado e os investimentos sejam realizados, como deverá ser o resultado da empresa daqui a três anos, no melhor e no pior cenário que vocês projetam? Aliás, como foi o desempenho da empresa nos últimos anos, em relação às projeções elaboradas?
– Então… A projeção de resultados é elaborada com um único cenário. Não é feito um acompanhamento, e não sabemos explicar as variações entre o resultado realizado e o previsto.
– Verifico que seu resultado variou bastante nos últimos anos. Entre as suas oito unidades de negócio, qual tem sido a mais rentável e a menos rentável?
– Nosso resultado não é apurado por unidade de negócio.
– Consta no relatório de administração da empresa que vocês realizam várias doações a entidades sem fins lucrativos. Qual o custo dessa atividade para o negócio de vocês?
– Não temos essa informação. Fazemos doações a todos os projetos que consideramos meritórios.
– Qual é o processo de revisão de preços que vocês adotam quando verificam que as vendas estão caindo? Como é feita a análise de impacto de mudanças de preços no resultado projetado?
– O processo é reunir todos os chefes das unidades de negócio para discussão, até encontrarmos um consenso.
– Como é feita a distribuição do orçamento entre as unidades? Quando uma unidade precisa gastar mais do que estava previsto no seu orçamento aprovado, qual o processo para que esse gasto seja autorizado?
– As unidades fazem seus orçamentos de forma individual, e o orçamento da empresa é o somatório do orçamento das unidades. Se uma unidade gasta mais do que estava previsto, ela elabora uma justificativa após o fechamento do exercício. Na verdade, ela só precisa se justificar se exceder o orçamento em mais de 10% e se outra unidade não compensar esse valor, gastando abaixo do seu orçamento. Se o total ficar dentro do limite, não tem problema.
Como essa empresa seria avaliada no Comitê de Enquadramento e Crédito do Banco? Quais as chances de o BNDES conceder ou aportar recursos numa empresa com esse nível de gestão?
Agora imagine se um contribuinte brasileiro entrasse no BNDES e fizesse essas mesmas perguntas. As respostas que ele receberia seriam muito diferentes daquelas que estou supondo neste artigo? Se ele tivesse opção, será que aportaria recursos nessa empresa?
Uma das coisas que mais me chamou a atenção quando ingressei no BNDES, há quase 16 anos, foi a capacidade técnica dos seus funcionários. E hoje, após tanto tempo, o que mais me intriga é verificar como toda essa capacidade se reflete em uma estrutura de gestão que considero muito distante do mínimo necessário para o tamanho e a importância do Banco; nossas decisões são tomadas de forma fundamentalmente empírica, e há muitos diagnósticos e iniciativas, contrapondo-se a poucas implantações e avaliações de resultados, em todos os níveis da instituição. As frases de efeito são propaladas aos sete ventos, mas, na prática, as ações parecem pouco coordenadas, e alcançam pouco resultado.
No BNDES sempre houve um “embate”, meio velado e outras vezes nem tanto, entre áreas operacionais (ou de negócio) e áreas de suporte (ou áreas-meio). As áreas operacionais – com a tarefa de atender aos clientes, fomentar projetos, promover o desenvolvimento do país – se queixam de ter que atender às demandas e solicitações das áreas-meio, por não agregarem valor ao negócio e burocratizarem procedimentos. As áreas de suporte, por outro lado, se queixam de serem desvalorizadas, de realizarem o trabalho menos atraente, e que só é visível quando problemas ocorrem.
Contudo, um discurso é uníssono. Todos reclamam de falta de pessoas. Nas áreas operacionais, os argumentos são que há muito trabalho e muita responsabilidade, e reclama-se que as áreas de suporte são maiores e mais inchadas. Nas áreas de suporte, fala-se em aumento de trabalho por conta das exigências da fiscalização e regulamentação cada vez mais fortes dos órgãos de controle, enquanto não se entende como as áreas operacionais continuam assoberbadas mesmo com uma grande queda no volume de operações.
E como esses impasses são resolvidos no Banco? Aliás, são resolvidos? Ninguém sabe quanto tempo é demandado para fazer um relatório de análise. Nem quantas pessoas são necessárias para processar determinado volume de operações. Ou o tamanho adequado de uma unidade de gestão de folha de pagamentos numa instituição do porte do BNDES. A vida segue, cada área continua olhando apenas para seu “feudo”, e achando que o problema é sempre dos outros. Todo mundo reconhece que alguma coisa precisa ser feita, mas todos avaliam sua área como extremamente eficiente e enxuta, enquanto as outras sempre têm gente ociosa. Processos de trabalho? Resultados? Metas? Controle? Rentabilidade? Não deveríamos reconhecer que não fazemos nada do que exigimos dos outros?
Soubemos que a Controladoria do BNDES vai ser incorporada pela Área Financeira, dentro da reestruturação em curso. Afinal, temos que criar mais uma área-meio, e já há muitas áreas desse tipo na instituição. O discurso geral é de que precisamos fortalecer a imagem do Banco e as áreas operacionais, pois são essas últimas que geram os desembolsos que vão garantir nosso resultado futuro. Então, por que precisaríamos de uma Controladoria? Para fazer análises contábeis? Para acompanhar o orçamento? Para apurar os custos dos departamentos? Para demonstrar quais as linhas e programas do Banco são rentáveis, e quais não? Para prestar consultoria tributária? Por que precisamos disso? Por que não colocar o talento dessas pessoas para realizar mais operações?
Será que uma instituição que não reconhece a importância de uma área de controladoria na sua estrutura organizacional em pleno século XXI merece receber seus recursos?
Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve. Para quem não sabe onde gasta seu dinheiro, ou de onde vem sua rentabilidade, aumentar seu volume de operações pode significar reduzir seu lucro. Pior: ninguém vai nem saber explicar isso.