Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES
Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança,
raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança.”
(I Coríntios, 13)[1]
(agosto de 2017)
“O que um banco faz é transformar poupança, ou captar poupança, e transformá-la em investimento, tá certo…”
(Vinicius Carrasco, Congresso 12/7/2017)[2]
Não querido. Tá errado. Tá com-plé-tá-mente errado.
The reality of how money is created today differs from the description found in some economics textbooks:
• Rather than banks receiving deposits when households save and then lending them out, bank lending creates deposits.
• In normal times, the central bank does not fix the amount of money in circulation, nor is central bank money ‘multiplied up’ into more loans and deposits.[3]
Vínculo 1296 – Quem diz isso é o Banco da Inglaterra, um banco central que tem um pouco mais de história, credibilidade que o nosso. Pelo que depreendo na wikipedia, o terceiro ou quarto a adotar um regime de metas de inflação[4], sendo que seu atual presidente, não por acidente, veio do banco central canadense, o segundo a adotar oficialmente um regime de metas.
Sugiro aos colegas que leiam esse pequeno texto do venerando Bank of England. Especialmente aos que não são economistas, aqueles que aprenderam nas aulas de introdução a economia de suas faculdades uma série de historinhas sobre de onde vem (e para que serve) dinheiro (e crédito) que, na melhor das hipóteses, até podiam fazer um certo sentido nas condições legais que existiram até os anos setenta, mas que não fazem o menor sentido hoje.
Quanto aos colegas economistas é inadmissível se acreditar nessa historinha. Não que eu cobre que eles devam assumir os pressupostos de MMT (a linha pós-keynesiana da qual Felipe Rezende, por exemplo, é devoto), mas, num momento em que não só o Bank of England, mas também o Bundesbank[5] – dois bancos que nunca pensaríamos compostos por aloprados – reconhecem dinheiro como endógeno, como uma coisa que é criada no processo de concessão de crédito, não dá pra continuar com essa historinha de abelhinha, florzinha, poupador, banco e empresário.
Inadmissível também é o que o João Manuel Pinho de Mello fez, no mesmo evento, com o rigoroso artigo sobre efetividade do PSI feito por nossos colegas Leo, Daniel e Breno (e aqui convido para que esses colegas de Área e de profissão façam uma defesa pública de seu belo trabalho). À primeira vista constatamos que ele faz uma distorção canalha dos números apresentados no artigo. É a hipótese mais óbvia, que mete menos medo. Porque, se não for isso, teríamos que admitir que aquele cara apresentando uma sequência de gráficos de pizza 3D não entendeu o texto. E isso seria realmente aterrorizante: o governo está tomado por gente capaz de estagnar a economia, como tão bem destacou Luana Piovani[6]. Citando Marx, “Gentlemen, Chicolini here may talk like an idiot and look like an idiot. But don’t let that fool you. He really is an idiot.”[7]
Dá medo quando se percebe que boa parte dos argumentos usados pelo povo que defendeu a proposta do governo girou em torno de uma versão teórica, de manual, do papel e funcionamento de mercados financeiros. Isso pode ser entendido, por um lado, como uma estratégia de explicar coisas complexas nos termos cotidianos de leigos, como o agrônomo Heberte Lamarck[8] que relatava; por outro lado, pode ser um sintoma de caras que nunca passaram pela experiência de empresas industriais ou comerciais. Gente que nunca sofreu o desconforto de operar fora de seus modelos, fora dos números que estão congelados, prontos para serem usados. Isso resulta numa teoria de forno de micro-ondas: insípida, pré-fabricada, cheia de gordura hidrogenada.
Você esperaria que os caras que explicam como nadar sem nunca ter se molhado em algo que não fosse o chuveiro fossem os caras da esquerda. Você esperaria que porta-vozes do que seria a ortodoxia do mercado fossem pessoas com larga passagem pelo mundo de negócios. Not anymore!
José Márcio Camargo, num mau humor de quem só se dispunha a discutir estritamente TLP e TJLP, o resto que ceteris paribus, na abertura de sua falação cá no Banco veio nos ensinar que:
“todo dinheiro tem custo de oportunidade, tá certo. Tem lá o imposto, o imposto pode ser usado de alguma forma, se você usa de uma forma o custo de oportunidade é o que você não pode, é o que você deixou de usar. É tão simples quanto isso. Eu aprendi isso lá no primário (…) tem um monte de coisa em economia que você aprende no primário, jardim de infância, (…)”[9]
Não querido. Tá errado. Tá com-plé-tá-mente errado.
Custo de oportunidade é um daqueles conceitos aparentemente simples de economia (minha filha de 14 anos já o domina lindamente – bem como o conceito de custo afundado, que por imitação ao Richard Thaler também ensinei) que mesmo os economistas não sabem direito o que é. Em 2005 dois professores fizeram a seguinte pergunta a 199 economistas no encontro da American Economic Association:
“You won a free ticket to see an Eric Clapton concert (which has no resale value). Bob Dylan is performing on the same night and is your next-best alternative activity. Tickets to see Dylan cost $40. On any given day, you would be willing to pay up to $50 to see Dylan. Assume there are no other costs of seeing either performer. Based on this information, what is the opportunity cost of seeing Eric Clapton? (a) $0, (b) $10, (c) $40, or (d) $50.”[10]
Só 21,6% deu a resposta certa (a menos votada entre as quatro, diga-se de passagem). E há controvérsias se essa realmente é a resposta certa[11],
controvérsias que acontecem inclusive entre caras que blogam[12] juntos[13]. Não me parece que o Zé Márcio fala da resposta certa certa, mas não vou dizer que a resposta errada dele não está certa. Certos conceitos (como, por exemplo, lucro) funcionam muito bem de forma abstrata, mas, uma vez tendo que ser operacionalizados em condições concretas (provisões, intertemporalidade, tributos, custos de oportunidade…) eles podem ter (muito) mais que uma resposta certa. A modéstia para entender isso escapa a quem traça uma reta num mapa sem olhar para a topografia.
“Eu gosto muito de incentivos, eu acho que incentivos é tudo em economia, o resto é pé de página, tá certo”, disse ele ainda, um pouco antes. Por trás de Zé Márcio Camargo, o slide tem apenas a palavra Opus, numa grafia bonita. Não se trata de parte de sua obra que ele ali apresentava. Zé Márcio, como outros tantos que estiveram ali defendendo o fim da TJLP, na displicência desses professores de mercado, exibia o logo da asset do qual é sócio[14]. Sim, ele não representa a indústria, a agricultura ou o comércio, ou mesmo alguma instituição acadêmica. Num ato falho, as cores do dinheiro sem suor, non olet. Incentivos são tudo, e é sob a égide desses incentivos que devemos interpretar seu discurso. Opportunity cost, como em Opportunity, Opus, Gávea Investimentos[15]…E a propósito: minha filha sabe que 10 dolares são o custo de oportunidade entre o show da Rihana que ela sacrificaria para ver Beyonce. Endógeno (como é o dinheiro) é mais uma das coisas que eu devo ensinar a ela nessas férias.[16]
[1] http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/i-corintios/13/
[2] https://www.youtube.com/watch?v=vXRfQBehVAw em torno de 3:10:28
[3] http://www.bankofengland.co.uk/publications/Documents/
quarterlybulletin/2014/qb14q1prereleasemoneycreation.pdf
[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Inflation_targeting
[5] https://www.bundesbank.de/Redaktion/EN/Topics/
2017/2017_04_25_how_money_is_created.html
[6] https://www.youtube.com/watch?v=YLs5VuRZROg
[7] https://www.youtube.com/watch?v=xsOf0TZPPWY
[8] https://pt.wikipedia.org/wiki/Betinho_Gomes
[9] https://www.youtube.com/watch?v=bX5E6Qkg6A8
em torno de 34:00
[10] http://www.nytimes.com/2005/09/01/business/the-opportunity-cost-of-economics-education.html
[11] https://docs.google.com/document/d/1Nu0S7Q00T
Kqb3WuabCeP7WQKgkMhtIIZEelfR7fjq_Q/edit?hl=en_US&pli=1
[12] http://marginalrevolution.com/marginalrevolution/2005/09/
opportunity_cos.html
[13] http://marginalrevolution.com/marginalrevolution/2005/09/
medieval_disqui.html
[14] http://www.opus.com.br/opusgestao/empresa/
socios_associados
[15] https://pt.wikipedia.org/wiki/Armando_Castelar
[16] https://www.bloomberg.com/view/articles/2017-01-05/5-economics-terms-we-all-should-use