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O Cotidiano, A Eternidade, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco
Aposentado do BNDES

“Guess that’s why they’re broke, and you’re so paid
Of what is past, or passing, or to come”
(Notorious B Yeats)

Onze do um, dia de véspera de tantos aniversários. Entre a semana passada e hoje, tantos sintomas, tantos eventos, tantas lutas. Deixa eu mostrar um pouco desses caminhos que explorarei noutra hora antes de fazer uma interpretação, uma homenagem.

Começam as movimentações do que será o Governo Lula de fato acontecendo, o Governo Lula que irá até a eleição de 26. Não que não tenha havido um governo Lula até que bastante razoável durante este ano e semana. Mas há tempos estabelecidos pelos ciclos da política, pelos prazos definidos pelas leis, que fazem deste momento que sucede ao Carnaval (que este ano é mais cedo) um momento em que se rearranja o governo. Em outubro estarão em disputa as milhares de prefeituras que fazem a base de nossa estrutura federativa. E algumas não são tão básicas assim. Seis meses antes os ministros que irão concorrer devem sair de seus cargos, o que quer dizer início de abril.

Dois anúncios nesta semana sugerem continuidades e alterações. O mais relevante, em minha opinião, é o anúncio de que Lula quer “César Marta” como candidata a vice de Boulos. Num certo sentido, é a reedição de uma composição de chapa da eleição passada: ao candidato do PSOL de Lula, que tem uma imagem de radical e de inexperiência administrativa, você aloca um vice que foi um ex-prefeito que exerceu seu cargo de forma razoavelmente competente. A ideia é que um eleitor mais conservador possa votar tranquilo sabendo que há alguém na chapa que seja mais moderado e saiba o que é um governo. “César Marta” na chapa será o suficiente para eleger Boulos?

Boulos quer dizer que nem Márcio França nem Haddad tomarão o caminho de Serra em 1996, de sair do ministério para concorrer a prefeito. Dois que continuam, portanto. Mas, assim como para Alberto Almeida, a sugestão de Anielle Franco para vice do Paes me parece ser uma forma de Lula se livrar de uma de suas nulidades no Ministério, sem causar maiores comoções. Não acho que Paes, provavelmente reeleito este ano, vá sair de sua cadeira de prefeito para esta posição pré-presidiária que é a de governador do RJ. A menos de um deboche dos fados, a queda para cima de ministra para a prestigiosa posição de vice-prefeita do Rio me parece ser uma solução engenhosa e sem maiores riscos para esta cidade.

Outra movimentação política mais surreal ainda foi a nomeação do novo primeiro-ministro da França. Essa postagem no X do Arnaud Bertrand tem um mapa interessantíssimo: todo o CV do recém-nomeado primeiro-ministro francês, do ensino médio ao cargo atual, acontece num raio de 6 Km em Paris! Há um lance que tenho que escrever um dia de como a presença de um Civil Service estruturado cria a ilusão de que se possa escolher para postos políticos pessoas que entendem apenas de comunicaçãoe não de administração em si. De como os partidos, ao invés de se preocupar com a formulação de políticas públicas de fato, de ter quadros técnicos capazes de fazê-lo em posições de relevo, passam a entregar cada vez maiores poderes ao pessoal de marketing.

Ainda no tema “decadência do Ocidente”, a queda da porta de um avião da Boeing é mais um daqueles acidentes cheios de significados. Mas destaco apenas um que tem relação com o parágrafo anterior: a candidata adorada pelo establishment americano, Nikki Haley, foi do board da Boeing, por pouco tempo é bem verdade, mas o suficiente para recompor suas finanças. Não que ela não tenha contribuído para a empresa.

Ainda no tema “decadência do Ocidente” (epa!, essa crônica está virando um rap), o Brasil estar apoiando a ação sul-africana contra o genocídio praticado por Israel em Gaza é um sintoma de que as dinâmicas da política dos EUA e de seus súditos europeus começam a se descolar significativamente do restante do Mundo. Num momento em que true neutrals como o Brasil fazem isso, a natureza de chaotic evil dos EUA fica clara.

Mas caos é o que acontece aqui perto, não propriamente ao lado, mas no continente. O Equador afunda numa estranha forma de guerra civil, onde as gangues que cresceram com a dolarização e com os governos neoliberais que sucederam Rafael Correa resolveram reagir a um mínimo de Bukele que o governo de Noboa pretendia fazer. A própria eleição foi marcada por essa questão de um tráfico que nem bem tem sua origem no Equador, onde um candidato foi assassinado. Mas os métodos de Bukele – e não os cosplayers do Bolsonarismo – é o fantasma político que temos à direita pela frente. Neste sentido, há muito o que se pensar na estrutura que sucederá a ida de Dino para o Supremo.

Mas o atemporal desta semana, o não corriqueiro fecho de um confronto sempre esperado, mas que nunca aconteceu (ou, se preferir: aconteceu gerações depois): o Brasil de Pelé e a Alemanha de Beckenbauer. Dois grandes do futebol que foram campeões do Mundo como jogador e como técnico, Zagalo e Beckenbauer. Dois grandes que, curiosamente, foram colegas de Pelé em campo em algum momento de suas carreiras. E cujo confronto se esperou em 70, se esperou em 74, mas essa final não veio.

Se você, leitor ou leitora, se der ao trabalho de ver no youtube a partida entre Brasil e Suécia que decidiu a Copa de 58, além de perceber que futebol naquela época era algo bem distinto de hoje, você verá Zagalo em ação. Não que Zagalo tenha sido o melhor jogador daquela partida. Jogou muito bem, mas não foi. Taticamente, Djalma Santos, que neutralizou o melhor jogador da Suécia e da posição de Zagalo naquela copa, possivelmente foi o jogador mais importante daquela partida. Mas Zagalo é o único que jogou um futebol como que reconhecemos hoje naquela partida. Zagalo como jogador estava além de seu tempo.

Poucos equívocos maiores há, em minha opinião, do que o entendimento tático sobre o Brasil de 70. O melhor exemplo desse tipo de erro é o capítulo catorze de A pirâmide invertida do Jonathan Wilson, um dos maiores jornalistas de futebol contemporâneos. Como explica Gérson, no 4-3-3 de 70 Pelé fazia o centro do ataque (eu diria que o Harry Kane dos últimos anos se aproxima da forma como Pelé jogou ali), Tostão fazia o lado esquerdo com muita liberdade de movimentação. Rivelino fazia na verdade um “segundo homem” de meio campo mais avançado do que o segundo homem de fato que era Gérson – e não o papel de ponta de lança clássico, que Pelé, Tostão e Jairzinho faziam em seus clubes, ou que Zico, Jorge Mendonça, Sócrates viriam a reinterpretar na seleção. Clodoaldo não fazia um cabeça de área estrito, mas se movimentava muito, correndo em campo o que o canhotinha não corria.

Quando Zagalo retornou à seleção para a Copa de 70, diz a lenda seu objetivo era colocar Roberto Miranda como centro-avante e reeditar taticamente aquela que, nos dizeres de Paulo César Cajú, foi a maior linha que ele jogou, a do Botafogo de 68: Rogério, Gérson, Roberto, Jair e Paulo César. No caso, com Jairzinho pela direita, e Pelé na ponta de lança. Mas Zagalo acabou inovando ali. Manteve a dupla Pelé e Tostão de Saldanha, mas de forma reinventada fora do 4-2-4. E fez História.

Ao velho lobo Zagallo, que já foi garoto propaganda do BNDES, você nunca caminhará só, Estrela Solitária.

Associação dos
Funcionários do BNDES

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