“The list of normally stable and healthy democracies now mired in serious political uncertainty — France, Germany, Japan, South Korea — reads like a roll call of the greatest beneficiaries of the postwar Pax Americana economic order that now appears to be ending.” @johnauthers” (@policytensor)
Talvez a primeira analogia que venha a mente quando se vê o fracasso da aplicação da lei marcial pelo presidente da Coreia seja sobre a possibilidade de sucesso de “1 soldado e 1 cabo”. Serve para os golpistas, serve para os que vivem no medo de que o golpe poderia ter sido dado… e de fato acontecido. Em épocas de luta contra 6×1, ressalto que essa tentativa de transformação institucional dentro da lei do presidente da Coreia do Sul durou umas seis horas, o que é um regime de meio expediente. Faz sentido.
Eu já resvalei na questão da disfuncionalidade da Coreia do Sul em um par de artigos, num entre turnos da eleição de 22, noutro quase um ano atrás. Uma das coisas que que não é levada em conta pelo grupo de desenvolvimentistas que cultua a Coreia do Sul aqui nesta terra, sejam os Eliezer Batistas que a viam como sucessora do Japão numa vanguarda industrial asiática, seja os Uallace Moreiras para quem Alice Amsden é o evangelho de João, é o quão dividida a Coreia é entre uma pequena burguesia do pequeno estabelecimento comercial e o setor industrial globalizado.
Tem mais um pequeno detalhe bem análogo ao nosso caso: o presidente Yoon tem sua origem como procurador lutando contra a corrupção. Yoon é a cilada que aqui não chegamos a trilhar de colocar o partido das procuradorias na presidência.
E aqui eu faço um pequeno desvio, volto a Coreia mais adiante.
Nem só os procuradores paranaenses são artistas do powerpoint, nem só com planos vitimados pela ausência de taxis vive o golpismo brasileiro. Segundo o Estadão, Braga Netto, o “presidente operacional” do governo que atribuímos a Jair, andou por aí fazendo uma apresentação que, do ponto de vista das ciências sociais, abre para uma fascinante possibilidade de reinterpretação da autonomia inserida de Peter Evans. O exemplo paradigmático é nosso SUS: uma luta política que acontece dentro do aparato técnico, a partir do aparato técnico, construindo a solução de política pública na rede que se forma entre essa burocracia e a sociedade civil.
Mas olhando para o caso do nosso SUS, ao fim e ao cabo, o Partido Sanitário não existiria sem a existência da estrutura política do então Partidão. Não que, em si, eu esteja afirmando que a autonomia inserida exige um “partido” pré-existente, mas, num certo sentido, seria interessante se olhar para esses processos como se, de fato, sejam partidos políticos operando.
E nesse sentido creio que deve se interpretar a proposta do powerpoint do Braga Netto como uma mobilização do “clandestino” Partido Militar para uma ocupação política. Mas ao contrário do Partido Sanitário, cujo objetivo era a mais poliárquica das pautas, conquistada na Constituição de 88, o Partido Militar no que está descrito no powerpoint não tem propriamente uma pauta, uma ideia a ser alcançada, mas uma concepção de que eles devem poder ditar coisas na política.
Esse é um problema na análise do golpe que não aconteceu. Há um erro na forma como certas instituições são entendidas. Há um erro nas “instituições funcionando” do Alberto Almeida. Militares, policiais das mais diversas matizes, procuradorias, tudo isso tem que ser encarado como partidos clandestinos de direita fazendo política embedded à moda de Peter Evans. O que quer dizer que a ideia de se tratar parte do governo como instituições “de Estado” permite imunizar esses partidos da contestação externa da sua atuação pela forma como, numa sociedade democrática, se faz essa intervenção, seja aqui, seja na China: através do(s) partido(s) que governa(m).
O que nos traz de volta à questão da Coreia do Sul e a grande crise que se avizinha de Trump, como Vargas, retornando nos braços do voto popular, depois de banido e cancelado como um tirano pelo lado “civilizado” da sociedade.
A crise na Coreia tem sua raiz nos cortes que o congresso, dominado pela oposição, impôs à proposta do governo. Em parte os recursos para o partido dos procuradores foram cortados. Sabe o nosso Orçamento Secreto? Bem, a oposição da Coreia quer acabar com o orçamento secreto do governo local. Por outro lado, o modelo social coreano enfrenta uma crise com o impacto do aumento de juros sobre o pequeno negócio.
A crise na França também tem sua raiz na votação do orçamento. A extrema-direita francesa se recusa a permitir cortes que iriam afetar idosos e pensionistas. Não que a extrema-esquerda não esteja no mesmo lado que ela nessa questão. Mas a premissa do extremo-centrismo neoliberal, um desconhecimento do paradoxo de Arrow onde acreditam que direita e esquerda sempre irão apoiar o Centro com o medo de que o outro lado venha a governar, é equivocada quanto à crença de que esquerda e extrema-direita não tenham a pauta centrista de destruição de suporte social pelo estado como um inimigo comum. Juntem o Reino Unido e a Alemanha nessa lista de lugares onde orçamentos e governos “responsáveis” entrarão em conflito com extremistas que questionam a santidade técnica dessas decisões “de Estado”.
Uma das crises (entre as muitas, e serão muitas mesmo) que se avizinha nos EUA é a destruição de diversos aparatos do estado administrativo. Não só o DOGE, o grupo externo que se autodestruirá após a missão impossível de dar eficiência ao estado americano. Discute-se que Biden, que deu um perdão presidencial para os crimes federais cometidos por seu filho, também o faria para outros que seriam possível alvo de uma retaliação do grupo que entra com Trump. Isto incluiria não só políticos, mas também para burocratas do establishment como o doutor Fauci. Bem, como se diz na minha terra, sem anistia!
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