Texto publicado no jornal O Globo, em 24/4/2017 (*)
Thiago Mitidieri, William Saab, José Eduardo Pessoa de Andrade e Arthur Koblitz – Diretores da AFBNDES |
Mais do que de reflexão, o momento é de atitude, de pronunciamento claro e duro, de alerta à sociedade brasileira sobre os rumos que vêm tomando o nosso BNDES, o Banco de Desenvolvimento do Brasil, instituição com mais de seis décadas de serviços de excelência prestados ao país, ao povo e ao progresso brasileiros.
Cada banco de desenvolvimento tem suas características próprias, seus conjuntos de instrumentos que lhe permitem atuar em prol da missão de indutor do desenvolvimento econômico e social de um país. No caso do BNDES, esses instrumentos são o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte constitucional de recursos de longo prazo, e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que incide sobre os créditos do BNDES.
No último dia 31, o presidente do Banco Central anunciou uma Medida Provisória prevendo a extinção da TJLP. Em seu lugar, será criada uma nova taxa de juros de longo prazo, a TLP, baseada no custo da NTN-B de cinco anos. Esse título público é indexado à inflação (IPCA) e paga, acima disso, uma taxa real de juros fixada em leilão pelo mercado.
A extinção da TJLP, associada à possível intenção do governo federal de abrir o FAT aos bancos privados, inviabilizará a continuidade da ação do BNDES como instituição única de fomento ao progresso nacional. E nada será colocado no lugar. Ficará um vazio a ser ocupado por instituições financeiras que visam, primeiramente, ao próprio lucro, sem compromisso com o desenvolvimento empresarial e industrial do Brasil.
A nosso ver, concretizadas essas modificações, o BNDES, de papel histórico no progresso nacional a partir da segunda metade do século passado, estará inteiramente descaracterizado. Ao que nos parece uma tática deliberada de enfraquecimento da instituição, houve há pouco a devolução antecipada ao Tesouro Nacional da importante quantia de R$ 100 bilhões, abrindo-se mão de uma fonte estratégica de recursos.
O BNDES perderá o papel de incentivador da atividade produtiva. Poderão ser agravados os processos já em curso de redução da capacidade industrial brasileira, aumento do desemprego, perda de postos de trabalho qualificados e depreciação da ciência, tecnologia e inovação. Abdicar do BNDES significa abrir mão definitivamente do sonho de nos tornamos uma nação desenvolvida.
O momento é gravíssimo, possivelmente o mais dramático da história do Banco. O desmonte do BNDES, instituição de Estado cujo sucesso representa conquista histórica do povo brasileiro, está em curso, capitaneado pelo setor financeiro privado e racionalizado por economistas a ele ligados. Mudanças nos rumos fundamentais da instituição precisam ser determinadas em um debate nacional, amplo e democrático.
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(*) Este texto foi publicado originalmente em O Globo da última segunda-feira (24), como parte da seção “Tema em discussão”, quando o jornal carioca faz um contraponto entre a “sua opinião” e uma opinião diversa.
A AF não tinha ideia de que o artigo enviado a O Globo seria publicado desta forma, em contraste com o pensamento do jornal. Ou seja: os diretores da Associação não tiveram acesso ao editorial de O Globo quando escreveram o artigo “Perda de importância”; já o jornal teve acesso ao artigo dos diretores da AF quando produziu seu editorial.
Para preencher esta lacuna, publicaremos, em próxima edição do VÍNCULO, nossa visão sobre o que pensa O Globo a respeito do projeto de substituição da TJLP por uma taxa de mercado. Aguardem.