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Por outros meios, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

A guerra é a continuação da política por outros meios” (Clausewitz)
a política é a guerra continuada por outros meios” (Foucault)

A intenção era alinhavar hoje a Ambição com um episódio que eu chamaria de Mariana on Barbieland. Mas nesta quinta em que escrevo, o ex-presidente, candidato praticamente unânime do lado vermelho do gigante que nos espelha no Hemisfério Norte, foi mais uma vez indiciado no que é uma flagrante violação de tudo que se possa pensar como direito, num momento político em que caótico é uma palavra moderada. Num certo sentido, isso se relaciona à visita de Mariana, e a conflitos que veremos nos próximos anos. Há uma luta de classes virando guerra, e embora sejamos pioneiros em muita coisa, noutras, museu de grandes novidades, corremos atrás. Mas lá como cá, há uma grande quantidade de sinais trocados.

De que Trump está sendo acusado? Essa é uma boa pergunta. Lembram das acusações sobre o presidente Lula? O triplex, o sítio, o Bessias… tudo uma palhaçada, tudo um papinho feito por um bando de procuradores (e juízes) com muito amor a deus e aos holofotes, mas precário domínio de argumentos jurídicos. Como dizia Reinaldo Azevedo, um cara que pode ter sido muitas coisas, mas petista nunca foi, onde estavam na acusação contra Lula, as provas, com que tipificação legal ele era acusado?

A imagem do Jonathan Turley, um professor de direito conservador bastante conhecido na mídia americana, é que se você sair riscando o que claramente é o tal livre direito de expressão americano, sobra um hai-kai das dezenas de páginas de processo. Basicamente, numa terra onde toda opinião é possível sem que Xandão nenhum possa suspendê-la, Trump está sendo processado agora porque teria manifestado dúvida sobre a lisura da eleição sem de fato ter essa dúvida, o que é para lá de surreal, algo mais da interpretação de um juiz de futebol do que do direito em si.

O processo, nitidamente, é um processo político e sem precedentes… nos EUA. Nos lugares onde eles fomentam golpes – Brasil e Paquistão, por exemplo –, a justiça prender o principal candidato da oposição quando este é favorito nas pesquisas é coisa que não precisa retroceder ao século passado para testemunhar. O problema é que, a menos que a Suprema Corte seja persuadida a impedir um Trump preso a concorrer, não há como, a menos que ocorram algumas reviravoltas desesperadas, evitar que Trump seja candidato e ganhe. Por que tanta certeza?

Vocês conhecem aquelas histórias dos reis que viraram reis por acidente porque o herdeiro preparado para o trono teve um acidente e morreu? Tipo Dom João XI virando rei? Pois o caso de Biden é um caso desses. Biden não era para ser presidente. No mundo normal, no mundo das pessoas civilizadas de Davos e da OMC, do New York Times e da Economist, Hillary ganhou em 2016 e foi reeleita em 2020. Biden era só um velhinho meio acabado indo na posse, o mundo convulsionado ainda pela guerra entre Rússia e Ucrânia começada em 2017. Mas isso não aconteceu nesse braço do multiverso em que vivemos. Trump foi eleito, Hillary ficou desmoralizada, os democratas de novo ameaçavam ter Bernie, “o socialista”, como candidato, e aí Obama fez sua decisiva intervenção em favor de Biden.

Problema: Biden, de fato, nunca foi um dos herdeiros potenciais do poder. Biden era um senador truculento de um estado (Delaware) famoso por ter uma legislação altamente permissiva para corporações, que se registram lá pelos benefícios de guerras fiscal e regulatória entre os estados americanos. Como seu alcance seria de um personagem como um Lira, parentes de Biden, como o irmão e o filho, operavam uma série de negócios que só pode ser descrita como tráfico de influência. Isso não era problema: ninguém repara nessas coisas numa terra onde a sua capacidade de receber dinheiro de lobbies é o que faz você ter relevância no partido. O problema é quando você vira presidente. Aí, pessoas preparadas para o cargo têm suas fundações, seus mecanismos bem construídos, impessoais, de administrar “dinheiros”. Mas Biden tem um filho oficialmente cracudo que é contratado para o board de empresas em campos dos quais ele nunca trabalhou. Ninguém iria atrás disso, águas passadas, só mais um. Só que uma vez presidente, as pessoas passam a prestar atenção nessas coisas. E, ao contrário do “Lulinha dono da JBS”, de fato dinheiro na casa das dezenas de milhões foi pago por empresas chinesas e ucranianas ao filho cracudo de Biden. Aliás, esta semana um ex-sócio desse esteve no Congresso explicando como o vice-presidente entrava nas ligações telefônicas, no mínimo um endosso simbólico para inocentes que nunca viram um filme de máfia.

Foi preciso uma grande mentira do deep state – a insinuação de que um laptop esquecido no conserto contendo registros relevantes da vida financeira e sexual de Hunter Biden era uma operação de inteligência russa – para que a candidatura de Biden não desmontasse na véspera da eleição. Mas essa mentira se junta a outra importante mentira que crescentemente vai se revelando, sobre a questão da origem da Covid, onde começa a vir à tona o esforço do establishment que controla o aparato de pesquisa no âmbito daquilo que o Burlamaqui brilhantemente define como o estado desenvolvimentista americano, para afastar qualquer perspectiva que pudesse trazer luz a um envolvimento de cientistas chineses que operavam em parceria com cientistas americanos, que financiavam pesquisas de um tipo proibido nos EUA.

Cientistas, policiais federais, procuradores, espiões, funcionários de agências e ministérios: todo um conjunto de pessoas credenciadas, detendo um tipo de mandato que se enxerga como emanando de alguma racionalidade técnica weberiana e não propriamente do poder político. O problema é que, num estado democrático, o poder emana do povo. E digamos que o povo cansou das racionalidades dessa classe.

O mandato que Trump está prestes a receber é o de destruição do Estado Administrativo americano. Um mandato revanchista em função do que se passou.

Como isso pode ser evitado sem ser pelo “método Kennedy”? A situação física e mental de Biden nitidamente impede qualquer campanha séria. Hoje ele é um presidente tão impopular quanto foi Carter. A sua vice é outra figura sem a menor condição de assumir o papel de candidata democrata. Soluções com Michele Obama e Gavin Newson (o governador da Califórnia) aparecem pelas bordas. Essa solução terá que vir rápido. Há a ameaça de que o filho de Robert Kennedy possa a vir a ser o candidato democrata. Com todo esforço da mídia contra ele hoje, RFK Jr é mais forte do que qualquer nome republicano de oposição a Trump. Talvez mais forte que o próprio Trump.

Mas o fato é que o balé de classe do mundo local americano, pequena burguesia, trabalhadores assalariados e o campo, se insurge mais uma vez contra o aparato de grandes corporações, contra o aparato de controle do Estado. Isso aconteceu na virada entre os séculos XIX e XX. Isso aconteceu, em certa medida, com Roosevelt. Mas se em Roosevelt as bases do que é o Estado Administrativo americano contemporâneo foram lançadas, hoje esse estado está na contramão desse mundo pequeno, oprimido.

As repercussões aqui? Vivemos numa terra onde ao mesmo tempo em que o brilhante Zanin toma posse no STF, o aparato de violência debaixo do recém-conquistado governo de São Paulo retoma suas práticas de chacina. Vivemos num país onde o Estado foi implodido, onde as pessoas que deveriam estar reconstruindo e fortalecendo o Estado ficam nos mimimis de “abolir privilégios”, onde a preocupação com PPPs vem na frente da retomada do investimento público direto. E aí caímos de volta em Mariana, que fica para outro momento.

Um grande abraço Lalá.

Associação dos
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