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Perguntando ao Pepe etc., por Paulo Moreira Franco

“Can you picture what will be?

So limitless and free”

(Jim Morrison)

Vínculo 1549 – Sexta-feira, 19h e quebrados, Clube de Engenharia. Evento pago, organizado pelo 247, convite comprado por Fofinha com quase um mês de antecedência, auditório lotado. Pepe Escobar, que julgo dispensa maiores apresentações, fazendo uma palestra sobre mundo multipolar. Embora nosso índice Kevin Bacon seja bastante baixo (há uma jornalista amiga que compartilha amigos em comum, que o conheceu pessoalmente), nunca tive a oportunidade de conversar com ele. Acompanho-o no Telegram, leio os artigos tem décadas, mas foi a primeira vez que houve a possibilidade de fazer uma pergunta.

Ah, que saudades de fazer perguntas em palestras!

Como de praxe, parte da pergunta já tinha pronta antes da palestra. As palestras, de fato, não variam muito do que foi falado um dia pelo palestrante. Quando contêm powerpoints… aí é quase certo que a palestra já foi feita antes. A pergunta, então, é uma forma de você introduzir um ângulo novo se você já conhece um pouco do que foi dito, do que foi perguntado em ocasiões anteriores. Forma de testar hipóteses, de evitar repetir o que você já sabe. No caso de uma pessoa como o Pepe, que tem uma obra com alguma clareza e consistência, fazer perguntas sobre Assange, por exemplo, não traz propriamente nada que ele não tenha dito antes, a menos lembrar às pessoas presentes, às quais não sei se conheciam o caso, a situação de Gonzalo Lira. Gonzalo Lira, um youtuber americano de família chilena, morador de Kharkov, preso recentemente pelo serviço secreto ucraniano. Em um dos seus mais recentes vídeos no Twitter, Tucker Carlson, o mais relevante (ex-)jornalista de TV americano, tratou do caso. Mas há um silêncio da imprensa americana sobre o assunto.

Num de seus posts no Telegram, Pepe citou uma obra, Before european hegemony, um muito interessante livro construindo uma história do sistema-mundo eurasiano no período anterior à peste negra. Livro bacana, complementar eu diria à construção do Wallerstein nos seus livros sobre o assunto. Não vou explicar o conceito de sistema-mundo aqui, vão no link da Wikipedia por favor. Minha pergunta foi se, partindo da premissa de que tanto nesse entendimento quanto no de economia-mundo de Braudel e de Arrighi, sempre há um centro financeiro daquele sistema integrado (ou daquela divisão internacional do trabalho), qual seria o centro deste mundo multipolar que se aproxima? Seria na China, Xangai ou (Adam Smith em) Beijing, ou seria no mundo árabe, aquele lugar para aonde as pessoas viajam levando importantes pen drives, com os chineses tendo a sabedoria de deixar o fluxo financeiro ocorrendo noutras terras tão bem mais habituadas a isso?

Pepe enveredou numa longa discussão, passando por Astana (Cazaquistão), que se articularia hoje para se tornar uma espécie de capital diplomática da Eurásia; Tasquente, no Uzbequistão, que está criando um dos maiores centros de conhecimento do mundo islâmico; Beijing, capital política, administrativa, e para por aí; Hong Kong, que perdeu o bonde da história se permitindo uma ridícula tentativa de revolução colorida que só serviu para queimar seu filme como lugar para negócios sérios; Riad, que é um lugar por demais fechado… Ao final da reflexão, ele chegou aos dois pontos onde minha intuição apontava: Xangai e Dubai. E ele apostava em Dubai.

Por que abrir mão do controle, por que Dubai especificamente? Dubai é o centro onde a lavagem de dinheiro em larga escala acontece hoje a nível global. Dubai é uma ponte entre Oriente e Ocidente. É muito mais fácil e indolor a passagem desses fluxos sair do eixo Nova Iorque-Londres para Dubai do que para Xangai. Os chineses me parecem ser escolados e descolados o bastante para não darem esse passo que é incorporar esse mundo clandestino dentro de suas próprias operações. E Pepe, que circula a três décadas por aquelas bandas, parece ter o mesmo entendimento quando posto a pensar no problema.

Uma das coisas que influiu na palestra daquele dia foi o discurso de Lula abrindo para o Coldplay em Paris. Todos estavam empolgados, e com uma certa razão (vi o discurso alguns dias depois, mais sofisticado do que imaginei). Mas destacar a parte de “justiça” do discurso de Lula me trouxe uma preocupação que já tratei aqui antes, do excesso de influência de um certo conjunto de ONGs no governo. Como me observou um amigo numa breve conversa numa festa no Dia de Reis: “A Open Society é o segundo maior partido no Ministério do Lula”.

Pepe fez uma digressão sobre como ele acha que há uma influência negativa dessas operações do Soros sobre a ideologia de esquerda pelo Brasil afora. Que, se tivesse tempo um dia, gostaria de estudar isso. Muitas outras perguntas depois, ele voltou ao tema de que não necessariamente uma tentativa de se minar o governo Lula e seu alinhamento com os demais BRICS venha da direita, mas de outras forças dentro do seu governo. E falou de Soros de novo. Pepe é daqueles que entendem 2013 como uma revolução colorida contra o governo do PT, contra os BRICS. Não discordo dele.

No meio do evento, uma notícia bombástica. Prigozhin e alguns “músicos” do Grupo Wagner estavam a caminho de Moscou para dar um golpe. Pepe discorreu muito sobre Prigozhin e tratou do assunto em textos posteriores.

Mas o assunto Prigozhin e o… golpe, marcha, manifestação por justiça, seja lá o que for, é daquelas coisas ininteligíveis que só entenderemos de fato passada a Guerra, passado um monte de história. Vamos esquecer as explicações no momento. Elas não acrescentam.

Até porque há coisas que são ridículas a priori. Vou usar esse e mais um outro caso recente relacionado à Ucrania como exemplos da incapacidade da imprensa de entender ordens de grandeza e o que é expressado pelos números.

Caso 1: Suponhamos que um grupo de militares lavajatistas do Paraná, revoltado com Xandão, resolva tomar a cidade de Maringá e pegar seus caminhões do Exército e ir até Brasília exigir que o STF derruba Xandão e Toffoli pela forma como têm tratado Sérgio Moro. Pensem em perto de uma centena de caminhões indo pela estrada de Maringá até Brasília, parando para abastecer algumas vezes no caminho, etc. e tal. Vocês realmente acham que eles vão conseguir dar um golpe? Essa é a distância entre Rostov e Moscou, a de Maringá a Brasília. Esse é o ridículo de tal “golpe” ou sabe-se lá o que foi aquilo. Há muitas versões, e uma certeza que se pode ter é que TUDO do que foi dito e for dito na imprensa ocidental (e nisso inclua a brasileira) é a mais pura, descarada e alucinada propaganda.

Caso 2: e de uma hora para outra o Pentágono descobre seis bi a mais para dar para a Ucrânia! Muita gente faz um carnaval, fala de corrupção etc. e tal. É como se tivessem descoberto um dinheiro misteriosamente caído debaixo da cama.

A explicação que dou a uma amiga psicóloga: Tenho que dar um presente de cem reais. Pego uma garrafa de vinho que tenho na dispensa, que pretendia beber um dia, que acabei de ver no supermercado que custa 100 reais. Só que eu comprei essa garrafa três anos atrás, e paguei 70 por ela. Eu estou dando um presente de 100 reais ou de 70 reais? Ela me disse: de 70, que foi o que você pagou. “Mas se eu comprar uma pra repor vai me custar 100”. “Mas ela custou 70!” E essa é a questão. O Pentágono foi autorizado a doar um certo valor em equipamentos à Ucrânia. Inicialmente eles contabilizaram esse valor pelo preço de reposição. Alguém chegou e falou: mas tem que usar o preço de aquisição! E essa diferença, esses trinta reais de uma boa IPA a mais que tem que ir junto com o vinho para fazer 100 reais, são os seis bilhões que o Pentágono descobriu em sua dotação para a Ucrânia.

Qual o critério certo? Aquele que o TCU gostar, ora!

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