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Deu Trump, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

“quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?”
(Drummond)

Nove de novembro de 16. Passei boa parte daquela madrugada acordado, testemunhando na CNN a história acontecendo. O Inesperado. O Trixter. Me desculpem os místicos, mas há todo um baralho de novos arcanos a serem construídos para este Aeon onde entraremos. E não encare isso com olhos de nova era, querida leitora. Um novo mundo material se descortina, meio que uma retomada de utopias generosas como Jornada nas Estrelas, meio um mundo muito diverso dos futuros regressivos dos jovens rebelados. Os dominós da era que começou no meio dos 80 (Acordo de Basiléia, Rodada Uruguai que desaguou na OMC, Live-Aid e um tipo de globalização ativista pop, TINA), a do neoliberalismo, começam a desabar de vez.

Tergiverso. 2016, corredores do BNDES, pessoas perplexas com o resultado da eleição, eu e Mr. T. rindo de orelha a orelha, nós que acreditávamos que Trump tinha uma boa chance de ganhar aquela eleição, nós devotos do Caos. E que não víamos nenhum grande problema nisso. Entenda leitora: Hillary é uma das pessoas mais odiosas que poderia chegar ao poder em qualquer lugar. Hillary não ter sido eleita significava para nós um mundo um pouco mais pacífico. E de fato foi, se olharmos o quanto de novos conflitos e novos golpes aconteceu no primeiro governo Trump. Sempre gosto de lembrar a todos que, com ou sem ajuda externa (acredite você na versão que quiser, mas o envolvimento do FBI e do Departamento de Justiça com os procuradores do Paraná, mesmo que não tenha sido ponta de iceberg, não é algo a ser desconsiderado), o golpe contra Dilma aconteceu sob Obama.

Mas isso foi passado… essa coisa que muda constantemente. Por exemplo, esse detalhe que usualmente é esquecido nesta terra onde se martela uma identidade estrita entre Trump e Bolsonaro, detalhe destacado num texto nada simpático ao Trump na exumação de Bidenomics pelo Adam Tooze:

(…) But to reduce the Trump administration’s response to Covid to a matter of science denial, a theme beloved of American liberals, is to miss the obvious. If the Covid crisis had a viable solution it was not mask-wearing or social distancing. The solution was the vaccine. And in the American case, as for much of the world’s more fortunate population, the key vaccines, produced by Moderna and Pfizer, came out of the Trump administration’s Warp Speed programme.

The name may have been silly, but not only did Warp Speed deliver a remarkable medico-industrial breakthrough, in the process it shaped a new economic policy focused on making lots of important, high-tech stuff fast. In other words, Trump delivered the first demonstration of an industrial policy that a short time later would be claimed as the great historical novelty of Bidenomics. Indeed, if any industrial policy can claim to have helped revive the economy and improve ordinary life for the average American, it is Operation Warp Speed not the CHIPS Act or the IRA.

Tergiverso de novo. Deixa eu escrever com menos “sentimento”. Vamos começar por entender o que pode ser o governo Trump e, depois, ver como isso interage conosco, o Brasil.

Mas, pra começar, vai uma sugestão: esqueça o New York Times, o Washington Post, o Guardian, praticamente toda a grande imprensa externa e interna. Esqueça as redes de TV, mesmo aquela aparentemente “a favor” de Trump, como a Fox. Isso é como tentar entender os governos Lula a partir do Estadão ou da Veja tratando de seu presente e futuro de 1993 para cá. Cate alguns discursos de Trump em si, cate canais de X/Twitter e Telegram, cate os programas do Tucker Carlson. Aí você vai encontrar um conjunto de argumentos MAGA que, de fato, pode iluminar sobre o que é o lado mais radical do próximo governo Trump.

Radical? A própria natureza de uma coalizão entre pequena burguesia e trabalhadores de baixa renda historicamente tende a isso. De direita? Totalmente. Mas esse assunto eu já tratei aqui antes. O que tenho a enfatizar é que claramente o estado administrativo americano será um dos inimigos. E some na conta o estado administrativo (e o deep state) inglês, especialmente neste momento em que o insosso Starmer governa o país (aliás, perguntinha: Talíria, você apoia uma mulher negra para primeira-ministra do Reino Unido?) Muito dos ataques a Trump e a seus aliados partiram de Londres, do relatório Steele até as ações do Center for Countering Digital Hate contra Musk, algo construído pela eminência parda do governo Starmer. Aliás, esse é um dos pontos a tomar cuidado nas interações com a mídia em geral: quem são esses observadores “neutros” de universidades e sociedade civil questionando o que acontece na internet, que fornecem o assunto para as matérias na grande imprensa criticando o “discurso de ódio”. Olhe os currículos das pessoas, o funding das organizações, e você logo, logo vai chegar a algum operador da política de algum dos lados.

Entre todos os governos que se engajaram contra Trump, certamente o do Labour está no top five. Note-se que Farage, o espantalho da direita inglesa, acompanhou a eleição na casa do Trump, tendo “Bananinha” por companhia. Para quem quiser ver aí a conspiração da extrema-direita mundial isso é um prato cheio. Sugiro ler mais como duas figuras algo periféricas tentando manter visibilidade.

O que se esperar de um governo Trump?

Do ponto de vista econômico, há uma ideia de apostar nos tributos de importação, não só como forma de proteger a indústria (que, concretamente, não está mais lá e não é, a princípio, tão fácil assim de se reconstruir), mas como forma de arrecadação substituindo tributação sobre renda. Isso é regressivo de formas inimagináveis, inclusive porque implica numa volta de muitas décadas no tempo em termos de tributação. Isso vai dar certo? Não creio que muito. Mas põe a pá de cal na OMC. E, ao contrário do que em geral aparece nas manchetes, Alemanha e México, mais do que a China, são os países quem mais vão sofrer com essas medidas.

Do ponto de vista geopolítico, esqueçam as guerras promovidas pelos neocons. Há uma aversão de todo povo MAGA à Ucrânia. Levando em conta a debacle que acontece neste momento no que resta do Donbas, alguma rendição não demorará. Do ponto de vista dos outros dois conflitos fomentados pelo governo Biden, Oriente Médio e Taiwan, algum tipo de iniciativa de paz deve acontecer. Por quê? Porque Trump, como diz Medvedev, “como um homem de negócios em seu cerne detesta jogar dinheiro fora”. E se há uma coisa que é jogar dinheiro fora hoje é usar de um poderio militar americano que não funciona mais. Trump se propõe a novidades que também não funcionarão, como um Iron Dome para os EUA. Mas isso é uma medida que aponta para o isolacionismo. E para seus vizinhos.

O México é de onde vêm os imigrantes ilegais. O México é de onde vêm as drogas. O México é onde estão as gangues mais bem armadas e sofisticadas que operam na América. O México é onde estão as maquiladoras. Se há um lugar que tem tudo para ser um dos centros de preocupação de segurança americana nos próximos anos é o México. Espere conflitos sérios nesse espaço.

Há dois terremotos pela frente. Um é certo: os dominós dos países europeus apostados no regime dos democratas, no boicote à Rússia, nas medidas de globalização e clima feitas sem levar em conta sua população, esses irão cair. O governo alemão se encontra em vias de dissolução prévia, com o partido mais a direita da coalizão governando tendo acabado de sair. Até março, espera-se, haverá uma eleição lá que pode ser surpreendente (o “banido” AfD virando a segunda força política da Alemanha, por exemplo). Embora a presidente da Comissão Europeia seja uma alemã do mesmo partido que deverá ganhar a eleição – a coalizão CDU-CSU –, não se espere vida fácil para eles com as pressões que virão dos espaços nacionais com um governo Trump entre o hostil e o indiferente, com a derrota na Ucrânia e a crescente queda da competitividade europeia.

O outro terremoto é o Oriente Médio. Trump tinha uma proposta de paz que basicamente significava jogar os palestinos debaixo do ônibus. Unfair, mas poderia ter funcionado. Depois do genocídio em curso, com as centenas de milhares de vidas destruídas e encurtadas pelos crimes sendo cometidos pelas forças armadas de Israel, acho que não é mais viável retornar ao caminho anterior. Ficou muito complicado qualquer país da região justificar-se perante sua população o reconhecimento de um status quo onde um estado palestino não existe e os crimes de guerra não foram endereçados. O mistério no momento é o que a Arábia Saudita irá fazer. Creio que a China sinalizou que não é simpática à manutenção do conflito entre Irã e Arábia Saudita. Por outro lado, a inversão de quem tem poder de atacar de fato na região (que hoje é o Irã, com seus mísseis e drones, e não Israel com sua conceitualmente obsoleta força aérea, que consegue exercer força apenas sobre lados vizinhos e desarmados) põe o príncipe saudita numa sinuca: por um lado ele é simpático a Trump, ao genro deste, pessoa aberta a negócios, país com muitos ativos em dólar no lado esquerdo de seu balanço. Por outro, a China é o futuro da economia mundial, o Irã tem condição de bloquear/destruir a economia saudita, e o poderio militar americano não sinaliza ser mais capaz de defendê-los como no século XX. O caminho que a Arábia Saudita tomar, ou mesmo ela como operador diplomático para esse mundo que se fragmenta, é essencial no momento.

Quanto ao Brasil e ao governo Lula, acho que se fez uma grande mancada de se tomar um lado nessa batalha interna americana. Explicável se se considerar o quão capturados pelas OSF estão certas agendas do governo. Soros desde muito tempo é o principal contribuidor para campanhas democratas. E as ONGs que eles apoiam responsáveis por mobilizações de sociedade civil em lugares como Hong Kong e Rússia, por exemplo. Também explicável se se levar em conta o quanto partes do estado administrativo brasileiro (seja o Itamaraty, seja a área econômica) buscam alinhamento e inspiração tanto na Europa quanto nos EUA.

Pois bem: acabou. A menos que um golpe aconteça nos EUA e/ou na Europa, o conjunto de aliados com que se contou foi para a lata de lixo da história. A reunião do G20 que acontecerá semana que vem, num certo sentido, é um encontro de pacientes terminais, com governos americano e alemão que não querem dizer mais nada. E sem Putin, que não pode vir pois qualquer juizeco de primeira instância pode ter o ato de soberania de prendê-lo. O Brasil, que vai presidir os BRICS no próximo ano, precisa decidir se é “democrático” ou se é multipolar. Se é um propagador à esquerda da agenda neoliberal, ou se de fato será construtivo em relação aos BRICS. Por outro lado, não custa pegar o mais santo dos membros do governoo próprio vice-presidente – e tentar uma aproximação com aquele nome que é o futuro MAGA: o vice-presidente Vance. Ambos são profundamente católicos, pessoas entusiasmadas, e ambos estarão ao lado de seus velhos presidentes pelos próximos quatro anos.

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