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Dois Quatro Oito, por Paulo Moreira Franco

“Boom, boom, boom
Even brighter than the moon, moon, moon”

Paulo Moreira Franco Economista aposentado do BNDES

Manhã de quinta, semana passada. Troco umas poucas mensagens com o Washington sobre um evento que acabara de se desenrolar: o não golpe militar na Bolívia. E naquela manhã, sem ter claro de que aquilo talvez tenha sido uma facada, era algo que eu pretendia dissecar aqui hoje. O que acontece ali, uma vez entendidos os detalhes, certamente ajuda a um entendimento das possibilidades e ameaças que a esquerda mundial enfrenta. E das fantasias, especialmente um tipo particular de ficção que chamamos de notícias.

Quinta passada teve o debate presidencial americano, um debate desta vez realizado sem que sequer as convenções partidárias, os rituais quadrienais de coroação dos dois candidatos a presidente, tenham acontecido.

Com a moderação que preciso ter no VÍNCULO, de um ano para cá pelo menos umas duas vezes escrevi que Biden não seria o candidato: onze meses atrás, oito meses atrás. Que Biden, que já apresentava sinais de senilidade em 2019, é coisa que para mim não apresenta novidade. Se você, leitora, só descobriu isso agora: parabéns! No seu afã de escapar das fake news, você caiu na campanha de desinformação tocada pela grande imprensa americana. Lembra dos cheap fakes? Até a noite de quinta rolava a versão de que a infinidade de vídeos caricatos de Biden apresentando “problemas de funcionamento” era uma campanha de desinformação dos apoiadores de Trump. Era? Alguém tem coragem, depois de quinta passada, de repetir esse caô? Aliás, se houve uma cheap fake mencionada no debate foi a very fine people, a história de que Trump teria dito que os nazistas de uma manifestação nos EUA eram gente muito boa. Biden citou isso, talvez a maior e mais fácil mentira de desmentir em todo o debate. Mas isso “passou despercebido” por palhaços (perdão, humoristas) como John Stewart.

Quem governou os Estados Unidos de 2021 até o momento? Joe Biden não foi. Acho que ninguém tem mais alguma dúvida a respeito. Foi a Doutora Janja Biden… perdão, Jill Biden? Foi algo dividido, como no governo do nome fantasia Bolsonaro, onde, governando de fato, havia o Posto Ipiranga e um conjunto de generais incompetentes? Seria Obama, como eminência parda, o verdadeiro presidente? Essa é uma pergunta que vai rolar até o momento em que Kamala virar presidenta, seja pela renúncia de Biden, seja por se invocar a 25ª emenda. Mas o fato é que não só não dá mais para Biden se manter como candidato, como não há como se manter a ficção de sua presidência até a eleição.

Entre hoje e novembro, há uma complexa sequência de eventos a ser manejada para que uma candidatura democrata possa ganhar a eleição. É possível? É possível.

O primeiro deles é se evitar uma guerra mundial começando no segundo semestre desse mês. Se Israel de fato invadir o Líbano, como alguns no governo Netanyahu querem, a retaliação do Hisbolá será devastadora. Por quê? Porque acredita-se que entre drones, foguetes e mísseis, o Hisbolá tenha mais de 150 mil disponíveis para saturar a defesa aérea de Israel. As instalações de produção e transmissão de energia, de refino e petroquímica, os portos e aeroportos, tudo isso está no mapa, é virtualmente impossível de se defender num ataque maciço. Como bem notou Rumsfeld, “there aren’t any good targets in Afghanistan and there are lots of good targets in Iraq”, ou seja: um lugar moderno e desenvolvido como Israel tem uma série de alvos fáceis, de extrema importância para a continuidade da vida cotidiana. O Hisbolá mostrou em vídeo. O sul do Líbano, nem tanto assim. Os EUA teriam que intervir a favor de Israel. E seriam sócios da humilhação, uma humilhação como a que acontece no momento no Mar Vermelho, onde o porta-aviões já não está mais lá. Dizem as más línguas

Um cessar-fogo ajudaria muito os democratas. E provavelmente acabaria com a carreira de Netanyahu, que provavelmente teria que buscar um rápido asilo em Budapeste ou coisa parecida.

Sem cessar-fogo, a candidatura democrata tem um problema. A base jovem do partido é contra o genocídio em Gaza. Já a donor class de bilionários, essa tem uma outra visão sobre essa e outras pautas. O medo de uma reedição dos protestos da convenção de 68 é palpável. Mesmo que não haja confusão, se os jovens simplesmente ficarem em casa em novembro, a desgraça é certa. Portanto, a questão Gaza não pode existir para o candidato. O que exclui Hillary da lista: ela tomou uma posição pública numa primária em Nova Iorque contra um dos raros deputados democratas contra a ação de Israel. Um deputado negro de esquerda derrotado por dezenas de milhões de dólares.

Problemas também têm os californianos. Como está numa matéria que circulou bastante nesta quarta, há uma percepção de que os swing voters tem uma aversão maior à vice-presidente Kamala Harris do que a um Biden morto ou comatoso. Inclua nessa história o governador da Califórnia, Gavin Newson. Os eleitorados dos estados que podem mudar de lado na eleição têm lógicas políticas muito distintas da California. Lembre-se, querida leitora: lá se ganha pela maioria do colégio eleitoral. Uma vitória acachapante na California, onde os republicanos hoje não se dão ao trabalho de fazer campanha presidencial, não faz diferença para vencer ou não a eleição.

Gretchen Whitmer, governadora do Michigan, é um nome que tem aparecido como correndo por fora. Esqueça. Acho que ninguém quer trazer a público o que é mais uma daquelas ações suspeitas do FBI, material de teoria de conspiração da direita até o momento em que se verifica que sim, a teoria de conspiração procedia. No caso, o sequestro contra ela que foi desbaratado pelo FBI. Caso muito problemático, para se dizer o mínimo.

Sobra um nome: Michelle Obama.

Rosinha é uma pessoa firme, simpática, jovial. Não há declarações polêmicas ou comprometimento com absurdos por parte dela. A própria encarnação do decoro, da moderação, mas sem propriamente ser uma versão de “bela, recatada e do lar”. Essa é uma Michelle com cérebro.

Mas para ela ser candidata, Biden precisa ser enterrado levando consigo todas as controvérsias e contradições. Precisa carregar os pecados desses péssimos três anos e meio de desgraça e morte. Pelo menos um par de semanas ainda.

Faltando dois anos para seu quarto de século, os EUA desmontam em progressão geométrica.

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