VÍNCULO 1587 – O mês das mulheres se encerra com notícias simbólicas: as condenações por estupro de Daniel Alves e Robinho, a importunação sexual contra uma mulher em elevador de um edifício em Fortaleza e a prisão dos supostos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, seu motorista.
Crimes que têm por simbologia a crença na impunidade e a cultura do estupro.
A fala do técnico da seleção brasileira, Dorival Junior, ao comentar a condenação de Robinho, é um tapa na cara das mulheres e só reafirma o que todas nós já sabemos: o quanto a sociedade minimiza a violência sexual contra as mulheres e o quão forte é a solidariedade masculina quando o assunto é estupro, assédio, feminicídio, ou qualquer outro ato de violência contra as mulheres. O não constrangimento de elogiar e se solidarizar publicamente com Robinho e Daniel Alves, estupradores já condenados pela justiça, revela um outro aspecto bastante cruel da nossa sociedade, que é justamente o quanto aceitamos esse tipo de comportamento. Não apenas daqueles que cometem tais crimes, mas também daqueles que, tendo voz na sociedade, não dão a gravidade necessária a tais condutas, naturalizando e perpetuando a violência.
A justiça espanhola, por sua vez, permite que Daniel Alves permaneça em liberdade, até o julgamento definitivo da sua condenação, mediante o pagamento de uma fiança estipulada em 1 milhão de euros. Este montante, inalcançável para a grande maioria da população, é plenamente acessível para um jogador com patrimônio avaliado em 55 milhões de euros. Diante dessa realidade, surge uma reflexão inevitável: a possibilidade de permanecer em liberdade mediante o pagamento de uma quantia, para ele alcançável, não equivale a um privilégio indevido? Quanto vale, afinal, um estupro?
Por outro lado, a importunação sexual de um homem em Fortaleza que apalpa, perante as câmeras, em um elevador, as partes íntimas de uma mulher sem o menor constrangimento é outro exemplo da total certeza de impunidade, amparada em crenças e valores de uma sociedade machista e misógina que objetifica a mulher e que pressupõe que aquele corpo de alguma forma pertence ou está à disposição de qualquer homem que o deseje “tomar”.
Por fim, mas não menos chocante, foi a descoberta dos supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Era uma manhã bem chuvosa no dia em que o corpo de Marielle foi velado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Havia um ar de revolta e descrença no que estava acontecendo: Marielle era vida, sorriso, energia, propósito, verdadeira missionária da justiça social.
Mulher, mãe, favelada, preta e homossexual, enfrentava sem medo o poder branco, hétero e masculino constituído que sempre tentou silenciá-la.
Fato é que Marielle sempre foi uma afronta ao sistema: na sua orientação sexual, no seu gênero, na sua posição política em favor do povo preto, pobre e periférico. Como ousa essa mulher?
Representante da própria revolução social, Marielle sempre foi o símbolo vivo de que a mulher pode e deve ocupar o lugar que assim desejar. Acima de tudo, Marielle era a bandeira da liberdade.
Mesmo ameaçada, nunca parou nem nunca deixou ser silenciada por aqueles a quem incomodava. E, por isso mesmo, precisou ser fisicamente silenciada. Fisicamente porque, ao contrário do que pensavam, sua voz se espalhou retumbante, mais forte ainda, pelo planeta inteiro, após a sua morte.
Os supostos mandantes do crime, depois de seis anos de investigação, finalmente apareceram e nada podia ser mais simbólico: três homens brancos, um deputado federal (vereador contemporâneo a Marielle quando da sua morte), um conselheiro do Tribunal de Contas do estado do Rio de Janeiro e nada menos que o chefe da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro à época, colocado no cargo estrategicamente um dia antes do assassinato. Quem matou Marielle, como já se pensava, agora ficou ainda mais claro: foi o próprio sistema, branco, hétero e masculino.
A suposta motivação também veio finalmente à tona: Marielle lutava por não permitir a regularização de um loteamento da milícia na Zona Oeste do Rio, tentando viabilizar moradia social a quem precisava.
A descoberta dos supostos mandantes foi um alívio, por um lado, mas bastante assustador por outro: em nada evoluímos da era medieval para cá, em que mulheres livres e incômodas eram queimadas pelo sistema na fogueira… Hoje, há uma diferença: são assassinadas na calada da noite em plena via pública.
Apesar disso, uma coisa, porém, é certa: já viramos sementes e se quiserem nos silenciar, terão que matar a todas nós.
Sim, mulheres, esse caminho ainda é longo, mas vamos juntas! Merecemos respeito e uma vida plena.
Avante!
Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação da AFBNDES
Para divulgação das “Rodas de Conversa das Marias” que a Comissão promove mensalmente no BNDES e outros materiais como cartilhas, links e orientações diversas, acesse o seguinte link: https://linktr.ee/afdiversidade. O e-mail da Comissão é: afdiversidade-assedio@afbndes.org.br
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